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30 de outubro de 2010

Sociedade civil exige regulação de artigos constitucionais da comunicação

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie negou o andamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO nº9) movida pela Federação dos Radialistas (Fitert) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A Ação foi ajuizada na quarta-feira (20) e arquivada na quinta (21). As organizações sindicais, com o auxílio do professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e jurista Fábio Konder Comparato, pediam que a Justiça declarasse omissão inconstitucional do Congresso Nacional em legislar sobre algumas leis da Constituição sobre comunicação que não foram regulamentadas, como os artigos 220 e 221.

Se a reivindicação da Fitert e da Fenaj for aceita pelo STF, o Congresso terá que providenciar a regulamentação dos artigos constitucionais em regime de urgência. No entanto, a ministra Ellen Gracie, relatora da ADO 9, entendeu que as entidades sindicais não tinham legitimidade para serem as proponentes da Ação. “No âmbito das associações sindicais, apenas estão aptas a deflagrar o controle concentrado de constitucionalidade as entidades de terceiro grau, ou seja, as confederações sindicais, excluindo-se, portanto, os sindicatos e as federações, ainda que possuam abrangência nacional”, disse ela, em notícia publicada no site do Supremo. 

A batalha, porém, não está perdida. O jurista Fábio Comparato criticou a decisão monocrática da ministra Ellen Gracie. Ele afirmou que vai entrar com um agravo regimental no STF nesta terça-feira (26). Trata-se de um recurso judicial que pede que a decisão sobre a questão seja tomada pelo conjunto dos ministros do Supremo. Se o colegiado tiver o mesmo entendimento que Ellen Gracie, Comparato deve apresentar a Ação novamente por meio de uma confederação sindical. Até o momento, portanto, o mérito da ADO 9 sequer foi analisado. 

Regulamentação da Constituição
 
A Ação proposta pela Fitert e Fenaj centra seu pedido em três pontos. O primeiro questiona a omissão legislativa quanto ao direito de resposta. Tal dispositivo existe na Constituição, mas a sua regulação foi extinta junto com a Lei de Imprensa (Lei n° 5.250, de 9 de fevereiro de 1967) pelo próprio STF em 19 de abril de 2009. Com isso, a aplicação prática desse direito ficou prejudicada pela falta de parâmetros.

“Se, por exemplo, o jornal ou periódico publica a resposta do ofendido em caracteres bem menores que os da matéria considerada ofensiva, ou em seção diversa daquela em que apareceu a notícia a ser retificada, terá sido dado cumprimento ao preceito constitucional? Analogamente, quando a ofensa à honra individual, ou a notícia errônea, são divulgadas por emissora de rádio ou televisão, caso a transmissão da resposta ou da retificação do ofendido for feita em outra emissora da mesma cadeia de rádio ou televisão, ou em programa e horário diversos da transmissão ofensiva ou errônea, terá sido cumprido o dever fundamental de resposta?”, questiona a Ação.

O texto da ADO também lembra, ainda sobre esse ponto, que até hoje não existe uma legislação específica que regule o direito de resposta quando a ofensa ou a informação equivocada for divulgada pela internet. “Quando muito, a Justiça Eleitoral procura, bem ou mal, remediar essa tremenda lacuna com a utilização dos parcos meios legais de bordo à sua disposição”, esclarece a ADO.

A segunda questão levantada pelas entidades sindicais é a falta de regulamentação dos princípios dispostos no art. 221 da Constituição Federal. O citado artigo define que a preferência das programações deve servir à finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; que deve promover a cultura nacional e regional, estimulando a produção independente; que deve assegurar a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e que respeite os valores éticos e sociais da pessoas e da família.

No entanto, todo o artigo está prejudicado pela falta de regulação e também de uma ação fiscalizatória mais ativa por parte do Ministério das Comunicações (Minicom). Para ficar apenas no problema da falta de regionalização, vale citar um estudo realizado por este Observatório a partir da análise de 58 emissoras em onze capitais das cinco regiões do país. Ele demonstrou que apenas 10,8% do tempo veiculado é ocupado com conteúdos de origem local. O índice é bastante inferior ao percentual de 30% previsto no Projeto de Lei nº 256/1991 da então deputada – eleita novamente este ano - Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que visa regulamentar o dispositivo constitucional citado acima, tramitando no Congresso Nacional há 19 anos. 

Conheça a pesquisa “Produção Regional na TV Aberta Brasileira”.

Sobre o assunto, a ADO diz: “Nem se argumente, para contestar a ocorrência dessa omissão legislativa inconstitucional, com a permanência em vigor do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962), promulgado antes do advento do regime militar de exceção. A rigor, a única disposição desse Código, pertinente aos princípios enunciados no art. 221 da Constituição Federal, é a do seu art. 38, alinea h, a qual determina deverem as emissoras de rádio e televisão destinar um mínimo de 5% (cinco por cento) de seu tempo para transmissão de serviço noticioso; sem qualquer referência às transmissões com finalidades educativas, culturais ou artísticas.”

A omissão legislativa em regular a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social é o terceiro ponto da Ação ajuizada por Comparato em conjunto com as entidades sindicais. Apesar de estar presente no artigo 220 da Constituição, tal medida não é regulamentada e tampouco auto-aplicada no país.
A definição legal que existe sobre o assunto é um Decreto-Lei 236 de 1967, que estabelece os limites referentes às outorgas que podem ser obtidas por uma “entidade”. Em nível regional, tal restrição é de quatro estações de Ondas Médias e seis de FM. Em nível nacional cada ente só pode operar até duas estações de Onda Curtas e de Ondas Médias e até dez emissoras de TV, sendo no máximo cinco em VHF e duas por estado. No entanto, vários grupos burlam tal decreto, usando pessoas jurídicas diferentes, mas que pertecem aos mesmos grupos econômicos e políticos para conseguir as concessões.

A Ação também cita um caso norte-americano para exemplificar como a regulação é importante para frear a tendência monopolista do mercado capitalista. Ela lembra que em 1966, no auge da pressão desregulamentadora do movimento neoliberal, o Congresso dos Estados Unidos votou o Telecommunications Act, que eliminou a maior parte das restrições à formação de grupos de controle no setor de comunicações de massa, estabelecidas por uma lei anterior, de 1934.

“O resultado não se fez esperar: enquanto em 1983 existiam nos Estados Unidos 50 grupos de comunicação social, menos de 10 anos após a edição do Telecommunications Act de 1996 o mercado norte-americano do setor passou a ser dominado por 5 macroconglomerados de comunicação de massa; os quais diferem entre si unicamente pelo estilo das publicações e transmissões, pois o conteúdo das mensagens divulgadas é exatamente o mesmo”, relata a ADO.
Motivações
O coordenador da Fitert, Nascimento Silva, explica que um dos motivos para a Ação é a dificuldade que a sociedade tem encontrado de fazer com que o legislativo crie e regulamente leis para a área da comunicação em defesa do interesse público. Ele lembra, por exemplo, que tanto a Câmara quanto o Senado pouco fizeram para dar encaminhamentos as mais de 600 propostas aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação, que ocorreu no fim de 2009.

Apesar de este recurso judicial escolhido pelas entidades sindicais ter poucos precedentes no país, o jurista Fábio Comparato acredita ser essencial que o Estado tenha uma atuação mais forte no setor. “Essa conversa fiada de excesso regulamentar, no setor, é típica da mentalidade capitalista. Até a velhinha de Taubaté sabia que o mercado só é livre quando o abuso de poder é impedido por adequadas disposições legais e administrativas. Sem isto, prevalece necessariamente a lei do mais forte, ou melhor, do que tem menos escrúpulos”, arremata.

29 de outubro de 2010

Editor do Diário do Nordeste é demitido por publicar caderno sobre Marxismo

O jornalista Dalwton Moura, editor do jornal cearense Diário do Nordeste, foi demitido na última semana, após publicar um caderno especial sobre as revoluções marxistas. O caderno, publicado no dia 17/10, trazia seis páginas com uma entrevista do sociólogo e filósofo Michael Löwi e artigos de Adelaide Gonçalves e José Arbex Jr. O jornalista foi pautado pela direção do veículo, mas após a publicação, o jornal considerou o caderno "panfletário" e "subversivo", além de "inoportuno ao momento atual".

O caderno foi encomendado porque Michael Löwi estaria em Fortaleza para lançar o livro Revoluções. A reportagem foi pautada pelo editor-chefe do jornal, Ildefonso Rodrigues, e sugerida pela historiadora e professora Adelaide Gonçalves, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Ao comunicar a demissão de Moura, o editor-chefe afirmou que “não sabia o conteúdo da reportagem até vê-la publicada”. Segundo o jornalista, que trabalhava há quase nove anos no veículo, o editor informou que o caderno gerou problemas para a direção do jornal. “Disseram que gerou problemas, que não teria sido bem recebido pela direção da empresa”, contou Moura.


O editor disse que “jamais imaginou” que poderia ser demitido dessa forma, e que a demissão abre espaço para várias interpretações. “Jamais imaginei que poderia gerar isso. O caso é complexo e dá margem para várias leituras”. De acordo com Moura, nem ele, nem a repórter Síria Mapurunga, que fizeram a entrevista com o filósofo, emitiram opinião. A entrevista destacava no título a declaração de Löwi: “O marxismo tem de evoluir para uma maior radicalização”.

O Sindicato dos Jornalistas do Ceará questionou a demissão e criticou o fato de a grande imprensa contestar a criação do Conselho de Comunicação no Estado, mas permitir que demissões como a de Moura aconteçam.

“A demissão do então editor do 'Caderno 3' expõe o abismo entre o discurso da grande mídia conservadora, que se diz ameaçada em sua liberdade de expressão - inclusive atacando com este falso argumento o projeto do Conselho de Comunicação do Estado -, e suas práticas cotidianas, restritivas ao exercício profissional dos jornalistas, bem como à livre opinião de colaboradores e leitores”, diz a nota divulgada pelo sindicato.

Procurado pela reportagem, o editor-chefe do Diário do Nordeste informou que todos os esclarecimentos do caso já foram prestados a Moura.

Fonte: Comunique-se.

28 de outubro de 2010

Conselhos estaduais não são para valer

Inoportuna, extemporânea, irresponsável, contrária aos interesses que pretende defender, ilegal, ilegítima. E aloprada. Por mais necessária que seja a abertura do debate sobre a regulação dos meios de comunicação, a decisão da Assembléia Legislativa do Ceará – na terça-feira (19/10) – de criar um conselho estadual vinculado ao Executivo para acompanhar o desempenho da mídia é um delírio (ver aqui o texto da decisão).

O debate é imperioso, impreterível, mas acionado desta maneira tacanha e truculenta vai transformar-se em retrocesso. Interessa apenas aos intransigentes das duas facções e não àqueles empenhados em criar condições para a efetiva modernização do nosso sistema midiático e sua convergência com o interesse público.

Na reta final de uma das eleições mais acirradas e violentas desde a redemocratização, na qual governo e empresas de mídia substituíram-se aos candidatos e brutalizaram-se ostensivamente, rebaixando o país ao nível da Venezuela, a iniciativa cearense logo engrossada por outros três estados (Bahia, Alagoas e Piauí) tem toda a aparência de grosseira provocação.

Não é para valer, esta é a sua perversidade.

Arrepio da lei Para não alimentar um incêndio que o governo começou a controlar em seguida ao primeiro turno, a onda conselhista terá que ser contida imediatamente sob pena de prejudicar novamente a candidata do governo. Se ganhar, quem tocará a ofensiva recém-iniciada – a própria, antes mesmo de tomar posse, o presidente Lula, o PT, o PMDB?

Este surto "monitorador" porventura alcançará a Sarneylândia, ícone nacional da prevaricação político-econômica-midiática?

Para iniciar e legitimar o debate sobre regulação da mídia basta cumprir a Constituição, que vem sendo desrespeitada flagrantemente há quatro anos desde quando os asseclas de José Sarney mandaram para o brejo o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, e o desativaram sem qualquer escrúpulo (Capítulo V, artigo 224, da Constituição).

Em favor do coronel do Maranhão, vice-rei do Brasil, é preciso que se diga que não agiu sozinho: estava mancomunado com o governo e as corporações empresariais de mídia às quais sempre serviu. Tal como aconteceu na Argentina, o status quo sempre foi conveniente para as partes até que uma delas deu um murro na mesa e berrou "quero mais!".

O Conselho de Comunicação Social (CCS) precisa ser imediatamente reativado. É o fórum legítimo e legal para examinar as questões relativas ao processo de comunicação, organizar o debate sobre a regulação da propriedade, opinar sobre projetos em tramitação no Congresso, trazer especialistas do exterior, modelos alternativos de consulta etc.

O Conselho de Comunicação Social é um instrumento profissional e competente; as réplicas paroquiais agora inventadas, além de impertinentes, têm um erro de fabricação: são ilegais, vão melar o que precisa ser instituído com absoluta clareza e transparência.

O Supremo Tribunal Federal não pode extinguir o CCS, mas pode rapidamente tornar inconstitucional qualquer desses conselhóides estaduais criados ao arrepio da lei para tumultuar ainda mais as eleições presidenciais, confundir os incautos e deixar tudo como sempre esteve.

Coronéis eletrônicos Se os partidos da base aliada que acionaram este carnaval regional de ilegalidades querem que a programação televisiva deixe de agredir crianças e adolescentes, basta cumprir todos os itens do artigo 220 da Constituição. Idem, no tocante à propaganda de bebidas alcoólicas, remédios etc. Idem no tocante às concessões (artigo 223). Se pretendem preservar o que restou do Estado de Direito laico e democrático – cláusulas pétreas da República brasileira –, anulem-se as concessões de radiodifusão às confissões religiosas. Se nossa mídia tende ao monopólio e ao oligopólio, basta fazer valer o mesmo artigo 220, parágrafo 5º, da Constituição.

Os avanços tecnológicos, a convergência de conteúdos e as exigências de pluralismo exigem uma pronta revisão institucional para evitar as distorções produzidas em mercados fechados, concentrados, arcaicos, avessos à concorrência. Isso deve ser discutido nos fóruns apropriados, legítimos, com a participação igualitária da sociedade civil. Isso deve ser discutido em nível nacional porque os conglomerados de mídia são nacionais, suas disfunções não são locais. Um comissário da mídia piauiense não pode ser vulnerável às seduções dos coronéis eletrônicos regionais ou seus prepostos.

Esta onda "reguladora" não é bem intencionada, soa a chantagem política. Não serve.

Fonte: Alberto Dines. Observatório da Imprensa.

27 de outubro de 2010

Em busca da discussão qualificada

Provocou previsível celeuma na imprensa a aprovação na Assembléia Legislativa do Ceará, na terça-feira (19/10), do projeto indicativo de criação do Conselho Estadual de Comunicação Social com o objetivo de "formular e acompanhar a execução da política estadual de comunicação, exercendo funções consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas, respeitando os dispositivos do Capítulo V da Constituição Federal". Outros cinco estados – Piauí, Alagoas, Bahia, São Paulo e Mato Grosso – discutem iniciativas semelhantes, todas oriundas de recomendações da Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009. No caso cearense, para ter efeito, o projeto deve ser acatado pelo Executivo, que em seguida o reencaminhará à Assembléia na forma de projeto de lei.

A proposta indicativa aprovada no Ceará, de autoria da deputada Rachel Marques (PT), peca ao vincular à secretaria estadual da Casa Civil – ou seja, ao Executivo – um conselho que, em princípio, deveria ser emanado da sociedade civil. O Poder Executivo, em quaisquer das três esferas, não deve, como reza o texto do documento, acompanhar "o desempenho e a atuação dos meios de comunicação locais (...) e empreender outras ações, conforme solicitações que lhe forem encaminhadas por qualquer órgão dos três poderes do Estado (...) ou por qualquer entidade da sociedade". Este é um papel a ser desempenhado por um organismo de caráter público, mas independente do Executivo.

Trata-se uma discussão ainda mal ajambrada, mas que viceja com vigor enquanto tropica nos equívocos de um ambiente regulatório absolutamente caótico. Recordemos: o Capítulo V da Constituição Federal, que trata da comunicação social, afora ter sido o que mais polêmicas causou na Comissão de Sistematização do então Congresso Constituinte, foi a plenário sem acordo prévio e até hoje espera a regulamentação da maioria de seus dispositivos. Isto, 22 anos depois de promulgada a Constituição. Mais: o Conselho de Comunicação Social, previsto no artigo 224 desse mesmo capítulo, demorou 14 anos para se instalado e, malgrado exista no papel, há mais de três anos sequer se reúne.

Nova realidade De outra parte, o empresariado da comunicação foge como o diabo da cruz a qualquer menção à palavra regulação, logo capciosamente confundida com censura e privação das liberdades de imprensa e de expressão. Os empresários não aceitam discutir o tema e, em seus veículos jornalísticos, quase sempre procuram passar a idéia de que o objetivo primeiro desse tipo de iniciativa é criar mecanismos visando o controle prévio dos conteúdos. Preferem manter o status quo baseado em uma Lei Geral de Telecomunicações datada de 1962, conjugada com a promiscuidade de políticos com mandato a controlarem canais de radiodifusão – que são concessões públicas – e, para coroar a quizumba, admitem como natural a farra legislativa que permite a propriedade cruzada de meios de comunicação em padrões que não se observam nas melhores democracias do mundo. Nem nas piores.

Quando poderia esclarecer, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, ajuda a obscurecer o debate ao afirmar, como o fez ao Jornal Nacional de terça-feira (26/10), que a imprensa "não pode ser censurada previamente, não pode ser monitorada, não pode ser fiscalizada. Isso é incompatível com o estado democrático de direito". Embora o controle sobre o conteúdo da "grande mídia" possa estar no radar de setores mais delirantes da militância pela democratização das comunicações, a discussão equilibrada e responsável sobre o tema não passa por qualquer forma de censura prévia, como faz supor o dirigente da OAB. E a afirmação de que a atuação dos meios de comunicação não pode ser monitorada ou fiscalizada por organizações independentes com este Observatório, entre outros, denota desconhecimento sobre uma nova realidade – o crescimento do protagonismo das audiências – que emerge pari passu o avanço da revolução digital. Impossível fechar os olhos a isso.

Próxima cobertura Trazer à ribalta discussões dessa qualidade implicará, necessariamente, a exposição pública de privilégios históricos, sobretudo no tocante à formação e consolidação das organizações brasileiras de mídia. O que está em exame é um assunto – o direito à comunicação – central às sociedades contemporâneas, de importância crítica para o aprimoramento da democracia e, por isso mesmo, a ser tratado com equilíbrio e justiça em torno de diretrizes socialmente legitimadas.

Não será desejável, a esta altura, contaminar uma questão dessa relevância com as facilidades do discurso autoritário, preto no branco, típico do pensamento único, sem nuances nem contraditórios. Como catalisadora por excelência de debate público, a mídia – impressa, eletrônica e digital – deveria contribuir para qualificar essa discussão.

Os sinais emitidos dos veículos do mainstream, contudo, não parecem alvissareiros. Movimentos atabalhoados em direção ao "controle social da mídia" têm como contrapartida, no noticiário e nos editoriais, o superdimensionamento da falsa questão da censura e do despojamento das liberdades. A propósito dessa forma de enquadramento, convém anotar: está prevista para 9 e 10 de novembro, em Brasília, a realização de um seminário internacional intitulado "Marco Regulatório da Radiodifusão, Comunicação Social e Telecomunicação", promovido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Um doce para quem adivinhar o tom da cobertura que a imprensa vai dedicar ao evento.

Fonte: Observatório da Imprensa.

23 de outubro de 2010

COBERTURA ELEITORAL: O atentado de Campo Grande

Foi mais ou menos como num jogo de futebol: o zagueiro encosta no atacante, o atacante se atira dentro da área, rolando, se contorcendo, na esperança de que o árbitro apite um pênalti. Mas as câmaras são soberanas. Elas mostram que o zagueiro mal tocou no centroavante, que o atacante se atirou, que não está machucado, que está simulando. Ainda assim, alguns narradores gritam: "Pênalti!". E no dia seguinte, os analistas vão bater boca o dia inteiro: foi, não foi, o juiz acertou, o juiz roubou.

Na cena reproduzida pelo Jornal da Record, o candidato José Serra vem caminhando, sorridente, pela rua do comércio de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Vem cercado de correligionários e seguranças. Mais adiante, seu caminho está bloqueado por uma passeata de petistas, que podem ser identificados por suas bandeiras vermelhas.

A comitiva do candidato oposicionista segue na direção dos adversários, arma-se um rápido entrevero, no qual um petista é agredido por três acompanhantes do candidato Serra, que está abrigado à porta de uma loja.

Apartam-se as brigas, Serra retoma a caminhada.

Então, alguma coisa o atinge na cabeça.

Pela câmara da TV Record, observa-se que o candidato apenas passa a mão na cabeça, constatando que não está ferido. É levado, então, por seus acompanhantes para um hospital.

Corta para o médico que o atendeu. A frase é clara: ele não tem nem um arranhão. A reportagem esclarece: o candidato foi atingido por um rolinho de plástico, um desses adesivos de campanha amarrotado.

Agora, a mesma cena no Jornal Nacional, da TV Globo: tudo quase igual, exceto no momento em que José Serra é atingido. Substitui-se, então, a imagem em movimento, que mostra apenas um susto da vítima, por uma fotografia, tirada de cima para baixo, de efeito muito mais dramático.

Quando chega o trecho da entrevista do médico, sua voz desaparece e em lugar da versão oficial do hospital entra o locutor, que apaga a informação de que o canditado não sofreu sequer um arranhão e a substitui por uma versão mais grave. A encenação se completa com o candidato sendo entrevistado, sob uma tensa luz azulada, com olhar de vítima.

Simulando uma contusão
O episódio, condenável sob todos os aspectos, deve, no entanto, ser visto como resultado da irracionalidade e radicalização da campanha eleitoral.

Mas as versões apresentadas pela imprensa merecem uma análise à parte.

Uma curiosidade: quem teria descido do Olimpo global para comandar a edição de tão importante reportagem? Que critérios do manual de ética e jornalismo da Rede Globo foram brandidos para justificar a transformação de um episódio banal, mais do que esperado no ambiente de conflagração que os próprios candidatos andaram estimulando, em uma crise republicana?

As evidentes diferenças nas edições do Jornal Nacional, muito mais dramático, e do Jornal da Record, que tratou o episódio com mais naturalidade, sem deixar de condenar os excessos de militantes, têm a ver com jornalismo ou com engajamento eleitoral?

No boletim online do Globo, distribuido às 14h18 da quarta-feira, "Serra é agredido durante enfrentamento de militantes em ato de campanha no Rio".

Na edição de papel, primeira página do Globo, "Serra é agredido por petistas no Rio". No complemento, a informação alarmante: por orientação médica, o candidato cancelou o resto da agenda e submeteu-se a uma tomografia num hospital da Zona Sul.

Título na primeira página do Estadão: "No Rio, petistas agridem Serra em evento".

Na Folha, em foto menos dramática, "Serra toca local em que foi atingido por um rolo de adesivos…"
Quanto pesa um adesivo de campanha enrolado? Cinco, dez gramas?

E a tomografia? É resultado da conhecida hipocondria do ex-governador ou parte da estratégia para transformar um episódio grotesco e banal em atentado político? Como uma bolinha de papel, dessas que os alunos atiram uns nos outros nas salas de aula, poderia virar motivo de comoção nacional?

Em seu artigo na edição desta quinta-feira [21/10] da Folha de S.Paulo, a colunista Eliane Cantanhêde transforma o projétil de papel em "bandeirada" na cabeça e afirma que José Serra, literalmente, apanhou na rua.

Quanto vale um jornalismo dessa qualidade?

A chamada grande imprensa perdeu completamente as estribeiras.
 
Fonte: Obervatório da Imprensa (Por Luciano Martins Costa)

3º Encontro Ulepicc Brasil reúne pesquisadores da EPC


por Anderson Santos

O 3º Encontro da Seção Brasil da União Latina de Economia Política de Informação, da Comunicação e da Cultura foi encerrado na última sexta-feira após três dias de debates críticos sobre a área de comunicação, espalhados em palestras, mesas-redondas e reuniões dos Grupos de Trabalho, na Universidade Federal de Sergipe, com os estudiosos do sub-campo da Economia Política da Comunicação do país.

A abertura do evento foi na noite da quarta-feira com as palestras dos professores José Marques Mello (UMESP) e Delia Crovi (Univ. Nacional Autônoma do México - UNAM). José Marques apresentou as contribuições da Economia Política da Comunicação para o pensamento crítico brasileiro, perfazendo o caminho do legado marxista até a comunicação. Já Delia Crovi, que é diretora científica da Seção México da Ulepicc, fez uma análise da relação da juventude com a mídia a partir das trasnformações sócio-econômicas vivenciadas a partir da década de 1980 no mundo.

21 de outubro
Na primeira mesa da quinta-feira, os pesquisadores Antônio Albino Canelas Rubim (UFBA), Anita Símis (Unesp/Araraquara) e Cida Golin (UFRGS) apresentaram suas perspectivas de análise sobre a Política e Economia da Arte e da Cultura, falando sobre a atual situação das políticas culturais do país e a necessidade de um projeto nacional para a cultura.

A seguir, Ruy Sardinha Lopes (USP/São Carlos), César Bolaño (UFS) e Valério Brittos debateram os encontros e confrontos da Economia Política da Comunicação, de forma a apontar os desafios atuais para os pesquisadores da área. 

Brittos destacou os 6 anos do capítulo Brasil da EPC e os três reposicionamentos apontados pelo pesquisador estadunidense Vincent Mosco: o conceito de hegemonia, os novos movimentos  sociais e as relações de interdisciplinariedades. Já Bolaño, manteve o conceito e "luta epistemológica" para a consolidação desta linha teórica, com a função dos pesquisadores da área em estabelecer uma ponte entre o velho pensamento crítico e a juventude que quer fazer a crítica, mas sofre o processo de despolitização que nos atingiu a partir da década de 1980. Por fim, Ruy Sardinha apontou a análise da cultura através de uma crítica cultural materialista como uma das funções deste sub-campo.

O dia foi encerrado com uma assembleia geral da seção Brasil da Ulepicc, que definiu, dentre outras coisas, a nova diretoria da entidade, agora presidido pelo pesquisador Ruy Sardinha Lopes (USP/São Carlos), e a sede da quarta edição do evento nacional, que será na cidade do Rio de Janeiro, em 2012.

22 de outubro
A primeira palestra da sexta-feira discutiu as relações da comunicação com a democracia, como este elemento ligado ao contexto geral vem sendo aplicado na comunicação, levando-se em conta os obstáculos postos pela realidade das empresas comunicacionais brasileiras. Os professores Marcos Dantas (UFRJ), Fernando Oliveira Paulino (UNB) e Bruno Lima Rocha (Unisinos), cada qual sob um ponto de análise diferente, discutiram o tema.

A última mesa do evento debateu "Comunicação e Desenvolvimento". Suzy Santos (UFRJ), Jaqueline Dourado (UFPI) e Alexandre Barbalho (UFCE) fizeram suas apresentações sobre o tema.

Grupos de Trabalho
As tardes dos dois últimos dias do evento foram destinadas às apresentações e discussões dos trabalhos aprovados para o Encontro, que reuniu cinco GTs: Políticas de Comunicação; Comunicação Pública, Popular ou Alternativa; Indústrias Midiáticas; Políticas Culturais e Economia da Cultura; e, Teorias e Temas Emergentes.

O Núcleo de Estudos de Crítica à Economia Política da Comunicação (Cepcom-Comulti) apresentou dois trabalhos no evento. Shuellen Peixoto apresentou a sua pesquisa de conclusão da graduação "Imprensa operária em Alagoas: a história de A Semana Social" na quinta-feira, no GT de Comunicação Pública, Popular e Alternativa. Anderson Santos apresentou no dia seguinte, só que no GT de Teorias e Temas Emergentes o artigo, em coautoria com Rafael Cavalcanti, "O jornal Gazeta de Alagoas como instrumento de propaganda política: a volta de Fernando Collor à democracia representativa"

A próxima edição do Encontro do Ulepicc Brasil será em 2012, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Ano que vem, provavelmente em julho, ocorrerá o Encontro da Federação Latina, no Chile. Para mais informações, acesse o site da instituição: http://ulepicc.org.br.

19 de outubro de 2010

Estudantes pedem mais debate sobre diretrizes para cursos de jornalismo



A Audiência Pública que aconteceu em Brasília na sexta-feira (8), para discutir a proposta de revisão das diretrizes para o curso de jornalismo foi marcada pela divergência entre professores e profissionais de um lado e estudantes de outro. A primeira categoria, representada por entidades como a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), defende a formação superior própria para a área. A segunda, organizada por meio da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação (Enecos), entende que dar autonomia ao curso de jornalismo cria uma fragmentação do saber, gerando um profissional menos qualificado.


O debate ocorreu em cima de uma proposta de novas diretrizes feita por uma comissão de especialistas formada pelo Ministério da Educação (MEC) no início de 2009. Esse grupo trabalhou em um documento e o entregou ao MEC em setembro deste ano. O Ministério, por sua vez, deu seu aval e passou a responsabilidade de aprovação das diretrizes ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Essa foi a quarta audiência sobre o tema, que também já passou por uma consulta pública pela internet.

O documento elaborado pela comissão de especialistas e aprovado pelo MEC propõe claramente que devido às competências específicas que devem ser adquiridas para o exercício do jornalismo, ele deve ter uma formação superior própria. É o que algumas instituições de ensino superior já estão fazendo na prática. Se aprovada pelo Conselho de Educação, as diretrizes passam a valer para os novos cursos da área. No entanto, continua sendo permitida a oferta do jornalismo como uma habilitação dentro do curso de Comunicação Social.

A Enecos criticou tanto o conteúdo quanto o método de construção da proposta. Segundo a entidade, um curso de jornalismo autônomo pode restringir o aprendizado, a partir do momento que disciplinas de outros cursos e de outras habilitações da Comunicação poderiam diminuir na grade curricular. Com isso, segundo a Enecos, há o risco dos cursos ficarem muito técnicos.

“É a extinção do curso de Comunicação Social. É isso que está colocado”, afirmou Pedro Alves, um dos coordenadores da Enecos. Ele também acredita que o processo de construção das diretrizes foi pouco democrático e por isso defende que ele seja paralisado para que aconteçam mais debates sobre o assunto nas instituições de ensino superior do país.

Por sua vez, entidades profissionais e acadêmicas presentes na audiência elogiaram as diretrizes propostas. Elas entendem que o jornalismo já possui base científica e uma importância social que justificariam a autonomia do curso. “Não é dominando ferramentas publicitárias ou de cinema que o jornalista vai melhorar sua formação”, disse Edson Spenthof, do FNPJ. Além disso, foi reforçada a necessidade de melhorar a atuação dos profissionais que atuam no mercado jornalístico. “A profissão comunicador não existe”, completou Spenthof.

Embora a autonomia do curso de jornalismo tenha sido a maior polêmica da audiência, outras questões importantes apareceram. Alguns lembraram, por exemplo, da dificuldade que as instituições poderão encontrar para conseguir professores especializados em jornalismo, já que existem poucas pós-graduações específicas dessa área no país.

A proposta colocada para os Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) também foi motivo de algumas críticas. No caso do TCC, as novas diretrizes propõem que ele deve ser constituído por um trabalho prático jornalístico, acompanhado por relatório memorial ou monografia. Essa obrigação em desenvolver um trabalho prático não agradou várias pessoas presentes na audiência.

Algumas entidades também reclamaram da falta de receptividade de suas propostas pela comissão de especialistas. Foi o caso da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal (Cojira/DF). “Nosso documento não foi levado em conta”, criticou Juliana Nunes, da Conjira/DF. Em resumo, a proposta da organização é que o debate sobre as questões étnico-raciais seja introduzido na formação acadêmica dos jornalistas.

A proposta de novas diretrizes não tem data para ser discutida no Conselho de Educação. O ritmo de sua aprovação vai depender do grau de consenso sobre ela. A depender do entendimento dos membros do Conselho, novas audiências podem ser convocadas. Para o relator da proposta, Reynaldo Fernandes, o trabalho da comissão de especialistas construiu diretrizes bem amplas, diferentemente do que costuma ocorrer com cursos de outras áreas do conhecimento. Assim, se aprovadas dessa forma, os cursos de jornalismo teriam uma liberdade considerável para montarem suas grades curriculares.

18 de outubro de 2010

Oportunidade desperdiçada


Mais um debate desperdiçado. É o segundo do segundo turno. As mensagens de propaganda política nos intervalos dos blocos foram mais incisivas e contundentes, inclusive o comercial da Folha de S.Paulo, com forte conotação antitotalitária.

Os candidatos continuam engessados pelos marqueteiros e pelas respectivas fragilidades programáticas. A questão ambiental sequer foi aflorada. Os vinte milhões de eleitores de Marina Silva mereciam uma palavra sobre o assunto.

O único dado positivo do debate Folha-Rede-TV! foi a eliminação da histeria religiosa. Acabou o Auto da Fé, o surto inquisitorial foi dominado. O Todo Poderoso só foi invocado uma vez e erroneamente: no lugar de acreditar na vitória "com a ajuda de Deus", saiu um "graças a Deus". Não é pecado: nosso compromisso laico não chegou a ficar ameaçado.

Casa limpa
Faltam ainda três encontros televisados e duas semanas de cobertura jornalística com um padrão que dificilmente alcançará o mínimo razoável a julgar pelo que se conseguiu apresentar até agora.
Nossa imprensa ainda não se deu conta e não tem a coragem de lembrar aos atuais governantes que têm apenas dois meses, sessenta dias, para varrer quaisquer resquícios de heranças malditas. O Brasil deve começar o novo mandato presidencial sem qualquer sombra ou ameaça na esfera da moralidade administrativa e do Estado de Direito.

A transição – em todos os níveis e independente das coligações vitoriosas – deve inspirar-se nos paradigmas de 2002, sem ressentimentos ou rancores, de modo a estabelecer uma coesão para enfrentar os graves desafios que os candidatos preferiram manter fora do alcance do eleitoral: a crise financeira internacional e o aquecimento global.

A casa começa a ser varrida no dia 1º de novembro, o futuro está marcado para 1º de janeiro. Não há tempo a perder.

17 de outubro de 2010

Aborto na campanha e na pauta


Na questão do aborto, o cinismo dos candidatos só é comparável ao cinismo da mídia.

De uma hora para a outra, o assunto entrou em pauta e virou o grande tema de campanha. Os candidatos que passaram para o segundo turno fazem questão de se declarar "a favor da vida", como se as mulheres que já tiveram a infelicidade de precisar praticar um aborto (ao que se saiba, mulher nenhuma opta por essa prática a não ser em casos extremos) fossem contra a vida.

A verdade é que, para agradar os religiosos – sejam eles evangélicos ou católicos –, os candidatos recorrem a meias palavras para falar de aborto, sem chegar ao ponto fundamental: por que as mulheres brasileiras ainda são levadas a fazer um aborto? Quais são as condições econômicas, sociais, psicológicas das mulheres que, correndo o risco de enfrentar a lei, chegam a um momento em que optam por interromper a gravidez? Nem os candidatos nem a mídia procuram esclarecer o que há por trás da indústria do aborto, nem discutem o que os abortos mal feitos representam em termos de custo (em dinheiro e em vidas) para o governo.

Nem os candidatos nem a imprensa discutem um outro dado essencial: em termos práticos, o que representaria a decisão de descriminalizar o aborto e quem pode tomar essa decisão – o Executivo ou o Legislativo? Já que os candidatos preferem enganar os eleitores fazendo de conta que, se chegarem ao poder, o aborto estará de vez banido da vida nacional, caberia à imprensa discutir seriamente o assunto, mostrando que já existe uma lei permitindo o aborto em caso de estupro ou de risco de vida à mãe e que qualquer mudança nessa lei depende do Congresso. Ou, como queria a candidata Marina da Silva, modificação só poderia ser feita se houvesse um plebiscito nacional.


"A palavra maldita voltou à agenda da sucessão"

Revistas e jornais fizeram, no fim de semana, um verdadeiro debate sobre o assunto, de preferência mostrando a posição de estudiosos ou dos candidatos.

A revista Veja, por exemplo, mostrou duas declarações diferentes de Dilma Rousseff – em outubro de 2007 e em setembro de 2010. A primeira: "Acho que tem de haver a descriminalização do aborto. Acho um absurdo que não haja." A segunda: "Eu, pessoalmente sou contra. Não acredito que haja uma mulher que não considere o aborto uma violência." A revista completa dizendo que "O PT sempre defendeu o aborto... Agora, por motivos eleitorais, mudou de ideia" (Veja, 13/10/2010). A matéria, de nove páginas, abriu espaço para líderes religiosos, deu um mapa do aborto no mundo e discutiu "quando começa a vida?"

O assunto tinha que ser discutido, não há dúvida, mas para que a matéria de Vejanão ficasse com o tom de propaganda contra, a revista deveria ter ouvido mais gente, como, por exemplo, o candidato José Serra ou, pelo menos, as feministas, que explicam por que o aborto deveria ser descriminalizado.

O jornal O Estado de S. Paulo publicou três artigos assinados sobre o assunto. Na página 2, o título foi "Crença religiosa e manipulação política". No caderno "Aliás", dois outros: "O aborto além da vida" e "Perigos da simplificação" dividem uma página. Dos três artigos, o único que discute a situação da mulher é o da professora Débora Diniz, da Universidade de Brasília, quando diz que:

"Não há saída. Ou se enfrenta seriamente o aborto como uma questão de saúde pública, seu impacto nos serviços de saúde pública, os danos à saúde das mulheres pela prática ilegal e a restrição de direitos que a criminalização impõe, ou teremos um retrocesso democrático semelhante ao enfrentado pelo governo Bush nos Estados Unidos, em que a saúde das mulheres foi subordinada à moral religiosa. Se não se sabe como enfrentar o tema do aborto nestes termos e ainda assim ganhar a eleição, um retorno ao silêncio tenso que marcou a campanha para o primeiro turno é a melhor estratégia política. É pelo menos honesto e não reduz a democracia brasileira ao útero das mulheres."

Na Folha de S.Paulo (10/10), o colunista Elio Gaspari lembra:

"Vinte e um anos depois da noite em que Miriam Cordeiro, a ex-namorada de Lula, surpreendeu o país acusando-o de ter sugerido que abortasse a criança que viria a ser sua filha Lurian, a palavra maldita voltou à agenda da sucessão presidencial. Em 1989, a questão do aborto foi fertilizada pelo comando da campanha de Fernando Collor. Desta vez, reapareceu com o mesmo formato oportunista, trazida pela infantaria do tucanato. Nos dois casos, ninguém mostrou-se interessado em discutir o assunto ao longo dos meses anteriores à eleição. O propósito, puramente eleitoral, sairá da agenda depois do dia 27. Até lá, terá emburrecido o debate, rebaixado a campanha e tisnado a biografia dos beneficiários da baixaria."
Que se discuta de forma séria

Em meio a todas as matérias e artigos publicados no fim de semana, merece destaque o artigo "Obscurantismo", da Folha de S.Paulo, publicado no domingo (10/10). Destaque porque foi a único meio de imprensa que teve coragem de assumir claramente uma posição sobre o assunto:

"Ganha destaque, na atual etapa da corrida sucessória, o tema da descriminalização do aborto. (...) O obscurantismo se estabelece na campanha eleitoral quando o que se procura é antes confundir o eleitor do que esclarecer as próprias posições. Tome-se, por exemplo, o slogan do `direito à vida´, presente na propaganda eleitoral de ambos os candidatos ao segundo turno. Como se sabe, tais palavras têm um sentido claro para o eleitorado católico, e cristão de modo geral, no que apontam para uma condenação do aborto, mesmo nos casos já admitidos na lei brasileira – o de gravidez decorrente de estupro e o de risco de morte para a mãe. Nenhum dos dois candidatos propõe, ao que se saiba, a revogação desse dispositivo. Mas que recorram ao lema do `direito à vida´ é sintomático da dificuldade de ambos em defender o que já existe, na legislação, de contrário às ideias dos eleitores que pretendem conquistar. Esta Folha considera que a legislação vigente deve ser flexibilizada, de modo a permitir que, já sofrendo numa circunstância evidentemente dramática e dolorosa, qualquer mulher possa interromper a gravidez sem que seja considerada criminosa por isto."

Seria muito oportuno que os demais jornais e revistas deixassem claro, assim como deveriam fazer os candidatos, a sua posição sobre o assunto. Ou que, pelo menos, discutissem o aborto de forma séria, mostrando o que pensam os que são contra, mas também os que defendem a descriminalização do aborto.



16 de outubro de 2010

O show da BBC no Chile

O resgate dos 33 mineiros chilenos foi um espetáculo midiático em escala planetária. O governo do presidente Sebastian Piñera montou uma sofisticada operação de marketing político, que incluiu até a confecção de jaquetas especiais para o evento, com o logotipo do governo chileno nas costas.

A TV chilena montou um pool patrocinado pelo governo que chegou a mobilizar 24 câmeras para transmissões ao vivo na grande noite do resgate, que obteve uma fantástica audiência de quase 97% , um recorde que dificilmente será batido no país.

Até o presidente boliviano Evo Morales pegou uma pontinha do show para recepcionar o único estrangeiro entre os mineiros soterrados desde agosto numa mina de ouro e cobre, na região de Capiapó, no deserto de Atacama. Ironicamente, Bolívia e Chile brigam há 127 anos por conta de uma disputa territorial que impede os bolivianos de ter acesso direto ao oceano Pacífico, na parte norte do Atacama.

A visibilidade mundial para o evento foi garantida por uma avalancha de cerca de mil jornalistas que se abalaram para a longínqua mina de San José. A grandeestrela da cobertura jornalística foi a rede britânica de TV BBC, que mandou nada menos que 25 profissionais para o Chile, incluindo Tim Wilcox, o seu badalado âncora de programas domésticos, que deu aos ingleses a sensação de estarem assistindo a um programa local, na hora do café da manhã.

O resgate teve inegáveis conotações épicas, mas só a BBC apostou numa cobertura ao vivo, com uma grande equipe de jornalistas e técnicos, para dar ao mundo a sensação de que "todos estavam lá". Nem a CNN norte-americana chegou perto do que a BBC fez, mesmo enfrentando críticas na Inglaterra. E o sucesso da cobertura da Beeb (apelido dado pelos ingleses) pode estar abrindo caminho para uma nova modalidade de espetáculo midiático internacional.

O site Follow the Media, especializado na cobertura da mídia mundial, rotulou o novo estilo como uma tentativa de levar os espectadores até o lugar onde esteja ocorrendo algum drama humano — ou capaz de ser humanizado. Este tipo de cobertura já escapa aos moldes jornalísticos clássicos porque incorpora fortes doses de emoção e de dramatização.

Quem assistiu ao resgate dos mineiros chilenos pela BBC na madrugada o dia 13 de outubro torceu junto pelo sucesso da operação. A postura dos espectadores minimizou a preocupação com a cobertura jornalística, fato reforçado inclusive pela participação do âncora britânico que narrou o evento da maneira mais informal possível. Ele nunca assumiu o papel de estrela do espetáculo, como fazem os nossos profissionais.

Do ponto de vista estrito, o jornalismo passou a um papel secundário no show chileno porque as preocupações com o marketing político/institucional do presidente Piñera e a inevitavel abordagem tipo infotainment (jargão inglês para a combinação de informação e entretenimento) contaminaram toda a cobertura. O público foi transformado em voyeur de um evento inédito na história da mineração mundial.

E pelas repercussões do caso, ele tem tudo para se transformar num novo paradigma de coberturas internacionais transformadas em eventos domésticos graças ao enfoque "todos estavam lá".

10 de outubro de 2010

EPC: "um programa de pesquisa geral para o campo da comunicação"

Por Rafael Cavalcanti e Anderson Santos


Publicamos hoje a última das entrevistas realizadas com professores que estudam a comunicação sob o sub-campo da Economia Política. O último entrevista é nada mais nada menos que o "fundador" dessa abordagem teórica, o professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, César Ricardo Siqueira Bolaño.

Com a publicação na década de 1980 do livro Mercado Brasileiro da Televisão, resultado da sua dissertação e Mestrado, César Bolaño "fundava" a Economia Política da Comunicação no Brasil, sendo um dos primeiros na América Latina, o que o situa na vanguarda internacional nos estudos comunicacionais.

Personagem importante tanto pela produção científica na área quanto pela capacidade de agregar pesquisadores, é um dos responsáveis pela criação de uma associação (União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura/ULEP-ICC) e de um periódico científico internacional (Eptic). Preside duas instituições, ALAIC e ULEPICC, e o Conselho Deliberativo da Federação das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM).

Atual presidente da Associação Latinoamericana de Investigadores da Comunicação (ALAIC), César Bolaño nos falou sobre a volta da EPC para os eventos da Sociedade Brasileira de Ciências da Comunicação (Intercom) e também explica informações essenciais para o desenvolvimento desta linha teórica aqui no Brasil.



Cepcom-Comulti - Professor Bolaño, como está localizado o estudo da Economia Política da Comunicação nas Ciências da Comunicação do Brasil? E o que a distingue dos outros estudos da área?
César Bolaño – Bom, a Economia Política da Comunicação é um sub-campo da comunicação. Agora é um sub-campo que tem determinadas especificidades, um diálogo muito próximo com o materialismo histórico e um caráter muito interdisciplinar e nesse sentido nós consideramos como um programa de pesquisa, no sentido para evitar a palavra paradigma, um programa de pesquisa geral para o campo da comunicação. Não exclusivo, evidentemente, mas, do ponto de vista epistemológico, um diálogo onde é possível discutir todas questões da comunicação a partir desse ponto de vista.

CC – Qual é ou quais são o principal ou principais objetos de estudo da Economia Política da Comunicação?
CB – O objeto de estudo da Economia Política da Comunicação é a comunicação, é os meios e as mediações, para usar os termos do Martin Barbero que todo mundo conhece. A Economia Política da Comunicação discute meios e mediações. Discute a comunicação de um modo geral, não apenas a mídia, não apenas os processos de concentração, que é o que a economia política europeia, americana, faz mais; não apenas a denúncia dos processos de poder e de concentração nos meios de comunicação, que nós também fazemos, mas a comunicação interpessoal, as relações de mediação nisso, agora sempre na perspectiva das estruturas de poder, de macropoder e de micropoder, e das relações de classe.
CC – Por essa perspectiva, de que forma se dialoga o avanço tecnológico e com a democratização da comunicação?
CB – Com o avanço tecnológico, uma perspectiva muito crítica, não é, de entender, por exemplo, a internet, os novos meios de comunicação como elementos que carregam possibilidades importantes de democratização, mas que na sua essência são mecanismos de controle social e de acumulação de capital. Então, justamente a característica da economia política que é entender esse objeto, por exemplo, e todos os outros objetos numa perspectiva dialética e crítica. Não há ufanismo e nem uma visão negativa e impotente diante dos fatos. A questão é entender quais são as contradições e, portanto, quais são as possibilidades de mudança que estão postas para os atores sociais num determinado momento.
CC - Quem trabalha com a EPC hoje no Brasil?
CB – Quem trabalha com a EPC hoje no Brasil é um grupo relativamente grande neste momento, quer dizer, pode dizer que é um grupo grande pequeno, porque é pequeno quando comparado a áreas disciplinares, como Jornalismo, Publicidade, que tem cursos, mas, portanto, é pequeno porque é um grupo transdisciplinar que pega um paradigma teórico para desenvolver, em seus diferentes textos, mas é grande no sentido que tem uma história já de... Só para dar um exemplo do site Eptic, do portal Eptic, da revista Eptic Online, mais de dez anos de produção ininterrupta, com muita produção e diferentes grupos. Você tem esse grupo aqui da Intercom, tinha o grupo que se organizava na Compós, que agora não tá funcionando, você tem núcleos em diferentes universidades, como em Sergipe, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, vários grupos que se organizam em torno disso... Em cada lugar você pode ter grupos relativamente pequenos e muito ativos e que tem uma federação internacional, como é a Ulepicc, que tem um capítulo nacional muito ativo. A internacional já vai para o seu sétimo congresso bi-anual. A nacional já vai para o seu terceiro congresso. Quer dizer, é um grupo bastante dinâmico e que tem muita gente trabalhando, eu não quero citar nomes.
CC – Claro. Agora sobre o Intercom. De que modo você avalia o trabalho da EPC aqui no congresso nacional, em especial no minicurso, que é uma das novidades do Congresso esse ano?
CB – Olha, a Economia Política da Comunicação no Brasil ela surgiu dentro da Intercom há muitos anos atrás. Quando surgiram os primeiros grupos da Intercom, o grupo da Economia Política surgiu ali e tem uma longa trajetória nesse campo. No ano 2000, nós realizamos um último encontro e depois esse grupo foi encerrado, mas a Economia Política da Comunicação cresceu muito e de alguns anos pra cá, graças ao empenho e à generosidade do professor José Marques de Mello, nós retornamos através do Fórum Eptic, recriamos o grupo, o grupo já tá funcionando esse ano pela segunda vez e este ano nós resolvemos oferecer também um minicurso para os estudantes. A experiência foi muito boa. Então eu acho que a nossa relação com a Intercom é histórica, houve um pequeno interregno porque a política é assim, mas nesse momento a gente agradece muito à atual diretoria da Intercom e não posso deixar de citar sempre o professor José Marques de Mello, que foi quem nos apoiou mais nesse momento.

8 de outubro de 2010

A última coluna da psicanalista

Estado de S.Paulo finalmente publica, na edição de sexta-feira (8/10), cartas de leitores contrariados com o afastamento da psicanalista Maria Rita Kehl, que escrevia aos sábados no caderno chamado "C2+Música".

Textos sobre o assunto vinham pontuando na internet, em geral acusando o jornal de haver demitido a colunista por haver escrito um artigo no qual falava sobre eleições e a favor do atual governo.

A resposta oficial do Estadão, assinada pelo diretor de Conteúdo Ricardo Gandour, é que a colunista foi afastada num processo "natural" de substituições que vem ocorrendo no jornal. E que não se trata de censura. No entanto, o diretor do jornalão paulista deixa claro que andava contrariado, desde semanas antes, pelo fato de que Maria Rita Kehl vinha escrevendo sobre política, comportamento de eleitores e campanha eleitoral.


Há preconceito

Na justificativa publicada na sexta-feira, ao pé das cartas de leitores, o jornal diz que "o projeto original do caderno ‘C2+Música’ é ter aos sábados um espaço para a psicanálise, mas não era esse o enfoque que Maria Rita Kehl vinha dando à coluna". Ora, o jornal parece ignorar que em psicanálise os temas são quase sempre tratados indiretamente, buscando interpretações da realidade muitas vezes através de metáforas.

Na última coluna, publicada no sábado, dia 2, véspera das eleições em primeiro turno, a psicanalista tratou das correntes de mensagens na internet que procuram desqualificar os votos dos mais pobres, dizendo que são vagabundos porque, segundo esses missivistas, preferem viver do Bolsa Família do que procurar emprego.

Esse renitente preconceito, que realmente faz parte dos bordões mais conservadores das eleições desde 2006, não deveria ser considerado assunto estranho a uma psicanalista. Mas acontece que Maria Rita Kehl defende publicamente o Bolsa Família, o que deve ter desagradado a alguns próceres do Estadão.

O fato de o jornal haver publicado a última coluna, justamente essa que aborda a questão do preconceito de classes, não alivia a percepção geral de que houve, sim, um viés político a precipitar o afastamento da colunista. Principalmente porque em nenhum outro espaço o jornal se permitiu discutir o tema tratado por ela em sua derradeira colaboração: existe, de fato, esse preconceito, que viceja na internet e foi estimulado pela imprensa.


Ausência notada

É fato facilmente comprovável, principalmente pelos observadores que têm a mania de colecionar editoriais, artigos e manchetes de jornais e revistas, que a imprensa tradicional, majoritariamente, passou os últimos anos, até muito recentemente, demonizando as políticas sociais do atual governo.

O governo anterior também produziu políticas semelhantes, embora de menor alcance, quase todas idealizadas e conduzidas pela falecida ex-primeira-dama Ruth Cardoso. Este observador teve a oportunidade de assistir uma conferência de Dona Ruth na Universidade Berkeley, nos Estados Unidos, sobre seus programas sociais, que foi entusiasticamente aplaudida pela platéia de professores e estudantes americanos.

O trabalho de Ruth Cardoso não foi tratado com o mesmo preconceito. Foi simplesmente ignorado por aqui, embora aplaudido internacionalmente. Ela nunca mereceu da imprensa brasileira o devido reconhecimento. Seria o mesmo preconceito?

Foram inúmeros os editoriais, artigos e reportagens tentando desqualificar o Bolsa Família. Houve em São Paulo, nos últimos cinco anos, pelo menos três seminários técnicos sobre avaliação de resultados econômicos dos programas sociais de transferência de renda, todos organizados pelo Instituto Itaú Social, do Banco Itaú. Em todas essas ocasiões, demonstrou-se que tais programas produzem resultados econômicos consideráveis, e não apenas no Brasil, mas também em países como México, Índia e Colômbia.

Este observador compareceu a todos esses seminários. Nunca encontrou por lá nenhum diretor de jornal ou revista. Apenas em um deles, ocorrido em 2006, apareceu o editor de Economia do Estadão, que se confessou completamente alheio ao assunto.


Evidências à vista

O artigo que encerrou a carreira de Maria Rita Kehl no Estadão falava de preconceitos e de uma luta de classes dissimulada cujos fragores podem ser percebidos em correntes na internet.

Mas essa luta de classes também está presente na chamada grande imprensa, nos artigos de profissionais referendados por lustrosos títulos acadêmicos, nos quais se condena liminarmente qualquer política pública que procure resgatar a desigualdade que prejudica os brasileiros de pele escura e os programas sociais de transferência de renda.

Com tantas evidências, fica difícil justificar o afastamento de uma colunista que discorda dessa linha editorial.

Leia também"Fui demitida por um ‘delito’ de opinião" – Bob Fernandes