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3 de março de 2011

COLÔMBIA: Um novo polo internacional de TV

A televisão latino-americana é mundialmente reconhecida pelas características muito particulares das suas produções, que são originalmente criadas para um público cujo gosto é igualmente particular. Os programas de auditório e as telenovelas são dois grandes exemplos de gêneros que encontraram na América Latina uma terra fértil para se desenvolverem, tendo Brasil, México e Argentina como tradicionais líderes. A Venezuela também chegou a ocupar um papel de maior relevância neste cenário, mas a sua atual conjuntura política e econômica acabou prejudicando muito o mercado audiovisual daquele país. Das duas maiores produtoras de TV existentes em Caracas, uma – RCTV – perdeu sua rede de emissoras, e a outra – Venevisión – viu-se obrigada a transferir praticamente todas as suas telenovelas para Miami, onde os contatos para vendas internacionais são facilitados e os custos de produção são menores.

Menores custos de produção e estabilidade política foram justamente alguns dos fatores que fizeram os maiores grupos internacionais de comunicação voltarem seus olhos para um país que, até o final dos anos 1990, não possuía tradição alguma neste setor: a Colômbia. Do monopólio estatal até a tardia abertura ao capital privado já se passaram quase 60 anos de uma história que, de tão inusitada, ajudou a criar condições únicas que transformaram Bogotá no novo polo latino da indústria televisiva.

Monopólio estatal
Essa história começa em 1953, quando uma junta militar assumiu o governo colombiano, nomeando o general Gustavo Rojas Pinilla como presidente. Ele havia tido o primeiro contato com a TV em 1936, na Alemanha, e desde então desejava trazer este meio para o seu país. Logo que tomou posse, decidiu transformar este projeto em realidade. Até a data de inauguração já estava marcada: 13 de junho de 1954, dia em que as forças armadas completariam um ano no poder. Para que tudo estivesse pronto a tempo, o Estado não mediu esforços: 10 milhões de pesos – uma soma altíssima para a época – foram liberados pelo Ministério da Fazenda para a compra de equipamentos. Técnicos de rádio foram formados para trabalhar em televisão, ao mesmo tempo em que diversos profissionais estrangeiros – cubanos, principalmente – foram contratados para a montagem dos primeiros programas que, improvisadamente, eram produzidos no sótão da Biblioteca Nacional, em Bogotá.

Apenas quatrocentas famílias colombianas tiveram condições financeiras de comprar os caros aparelhos de TV. Para ampliar rapidamente a audiência, mil e quinhentos receptores foram importados pelo governo e revendidos através de linhas de crédito especiais concedidas pelo Banco Popular.

Mesmo com todas as limitações técnicas e artísticas, conseguiu-se inaugurar a televisão colombiana dentro do prazo estabelecido e com uma imagem cuja nitidez foi muito elogiada pela imprensa da época. A programação de estreia – publicada na forma de comunicado oficial na primeira página do jornal El Tiempo de 13/6/1954 – teve duração de 3h45min e pode ser assistida através do canal 8 de Bogotá e de uma repetidora em Manizales – canal 10.

Informação e entretenimento
No início, a estação – que viria a se chamar Televisora Nacional e, mais tarde, Cadena Uno – era utilizada apenas para difusão de programas culturais e mensagens de interesse do governo da época. Aos poucos, a grade foi sendo ampliada e, em 1956, algumas faixas horárias começaram a ser arrendadas para produtoras independentes privadas, chamadas de programadoras. Essa foi a maneira encontrada pelo Estado de obter mais receita sem gerar novos custos e ainda oferecer programas mais atraentes ao grande público. As programadoras ganhavam dinheiro com a venda dos intervalos comerciais das atrações que levavam ao ar nas suas respectivas faixas. Era como se existissem várias emissoras de TV diferentes num mesmo canal.

Esses primeiros contratos não foram suficientes para evitar que a televisão colombiana entrasse nos anos 1960 em gravíssima situação financeira. Para resolver a questão, duas medidas foram tomadas: (1) criou-se um novo órgão para gerir a radiodifusão colombiana, a Inravisión - Instituto Nacional de Radio y Televisión; (2) toda a programação foi fatiada e entregue nas mãos dos programadores. Com isso, nascia assim um sistema misto de gestão de programação – ao mesmo tempo público e privado – único no mundo.

Foi a partir desta época que os colombianos passaram a se relacionar de vez com várias programadoras cujos nomes se tornariam referência em informação e entretenimento durante as décadas seguintes: PunchRTI, Producciones JES, Cinevision, ProyectamosTV, InterVisión, Promec, Programar, Datos y Mensages, Coestrellas, Colombiana de Televisión, Tevecine, Televideo, Caracol, RCN, entre outras.

Vínculo com gigantes industriais
O segundo canal de TV na Colômbia e o primeiro com capital 100% privado nasceria somente em 1966. Tratava-se da Teletigre, canal 9 de Bogotá, criada pela política Consuelo de Montejo em parceria com a rede estadunidense ABC. Por problemas financeiros, a emissora durou apenas três anos e logo foi encampada pela Inravisión, que a transformou na Cadena Dos e implantou o mesmo modelo misto de gestão adotado na estação pioneira.

Os anos 1970 foram marcados pela chegada das cores à televisão, implantadas gradualmente entre 1974 e 1979. Os anos 1980, por sua vez, ficaram na história como o período em que a TV chegou ao interior do país através da instalação de diversas estações regionais: Teleantioquia, Televalle – hoje Telepacífico –, Telecafé, Telecaribe, entre outras. Todo esse processo foi conduzido pela Inravisión em parceria com as programadoras – em especial a Televideo, que não apenas geriu parte da programação como também foi responsável pelo projeto dos estúdios de algumas destes novos canais.

Entre o final da década de 1980 e a primeira metade dos anos 1990, o caminho começou a ser aberto para que o capital privado fincasse de vez a sua bandeira no topo da televisão colombiana. Primeiro foi através da TV paga, que chegou a Bogotá em 1987 por meio da oferta de quatro canais UHF codificados – uma modalidade de serviço que fez muito sucesso na Europa, mas que não chegou a ser tão difundida no Brasil. Depois, com promulgação da Constituição de 1991, previu-se a liberdade de criação de mais meios de comunicação e a fundação de um novo órgão regulador para a televisão. Com isso, quatro anos mais tarde, nascia a CNTV – Comisión Nacional de Televisión. Foi ela a responsável por autorizar o surgimento de dois novos canais comerciais: RCN e Caracol, ambos inauguradas em 10 de julho de 1998.

As duas redes privadas colombianas estão vinculadas a gigantes industriais. A Caracol – rede líder de audiência – é controlada por um dos homens mais ricos do mundo: Julio Mario Santo Domingo, cuja família fez fortuna na indústria cervejeira e também controla diversos outros veículos de comunicação, como o jornal El Espectador e a revista Cromos. Já a RCN pertence a Carlos Ardilla Lülle, engenheiro que começou sua atividade empresarial com a fabricação de bebidas não-alcoólicas e logo expandiu sua presença para outros mercados – agroindústria, tecidos, serviços financeiros, plásticos, venda de automóveis, alumínio e futebol (por meio do Atlético Nacional de Medellín).

Desvios nos cânones
Com todo este suporte econômico, não surpreende o fato da Colômbia ter conseguido marcar sua posição no cenário televisivo internacional logo no primeiro ano de operação das novas emissoras privadas. O divisor de águas desta história foi o lançamento, em 1999, de dos maiores fenômenos da teledramaturgia internacional em todos os tempos: Yo soy Betty, la Fea.

Criada por Fernando Gaitán, dirigida por Mario Ribeiro Ferreira e produzida pela RCN, a divertida história de amor entre a secretária Betty e seu chefe Armando Mendoza tornou-se um sucesso imediato não apenas em seu país de origem como também nos mais de cem mercados onde a versão original foi exibida. Além disso, mais de vinte adaptações locais desta trama foram gravadas ao redor do mundo, com destaque para as versões realizadas no México – La Fea Más Bella –, Estados Unidos – Ugly Betty – e, mais recentemente, no Brasil – Bela, a Feia.

Yo soy Betty, la Fea não foi apenas mais uma novela latina que fez sucesso internacional, assim como tantas outras nos últimos cinquenta anos. Ela trouxe diversas inovações na forma de se criar e produzir teledramaturgia, conforme Arlindo Machado e Marta Lucia Vélez sinalizaram no artigo "O quartel das feias", publicado na edição de agosto de 2008 dos Cadernos de Televisão:
"A telenovela colombiana Yo Soy Betty, la Fea [...] sacudiu um pouco esses esquemas, sobretudo pela introdução de três importantes desvios nos cânones novelescos: primeiro, transformou a telenovela num gênero híbrido, misturando o melodrama com a comédia de situações (sitcom), além de encostar também em outros gêneros televisivos; segundo, modificou o estereótipo da mulher na telenovela, fazendo emergir personagens femininos completamente fora do padrão convencional; e terceiro, introduziu na telenovela personagens e situações da vida real, confundindo-se, em alguns momentos, com os formatos jornalísticos, como a reportagem e o documentário."
Novos investidores
O sucesso de Betty acabou por transformar-se num grande cartão de visitas para a Colômbia, apresentando o país como um novo polo audiovisual que conta com custos mais competitivos, mão-de-obra qualificada e boa capacidade em acolher profissionais estrangeiros. Além disso, outros fatores como o controle da violência e relativa proximidade geográfica com os Estados Unidos – uma viagem entre Bogotá e Miami não dura mais que 5 horas – chamaram a atenção de gigantes como a Fox, que adquiriu o controle da produtora e programadora Telecolombia em julho de 2007. Hoje, a FoxTelecolombia responde por 60% de tudo que o grupo estadunidense investe em produção na América Latina.

Outra que também aterrissou em solo colombiano foi a Sony, que, em 2009, comprou 50% da produtora Teleset com o objetivo de transformá-la em sua base de produção de conteúdos para os falantes da língua de Cervantes. Naquele mesmo ano, a Organización Cisneros – proprietária da rede Venevisión – também anunciou acordo com outra empresa local, a Televideo, visando à construção de um grande centro de produções em Bogotá. Falou-se de um investimento na ordem de US$ 250 milhões de dólares que geraria mais de 3 mil empregos diretos. Apesar da obra ainda não ter sido iniciada, um primeiro fruto desse casamento nasceu em 2010: trata-se da novela Salvador de Mujeres, produzida pela Venevisión, gravada na Colômbia e já exportada para 14 países.

O futuro do mercado televisivo colombiano parece muito promissor, apesar das recentes acusações de falta de transparência no processo de licitação para o terceiro canal privado a ser lançado no país. Nesta concorrência, estão envolvidos grupos tradicionais como Prisa, El Tiempo, Antena 3, Planeta e Cisneros. Ainda assim, o fortalecimento do mercado interno, o aumento da demanda por conteúdo em espanhol em todo o mundo e a conquista de maior reconhecimento internacional por parte dos programas hechos en Colombia continuarão a atrair novos e maiores investidores para este país, que deve passar a ser visto com maior atenção pelos pesquisadores e profissionais de comunicação do Brasil.

Fonte: Observatório da Imprensa (Fernando Morgado).

1 de março de 2011

A televisão brasileira em Moçambique

A recente afirmação do Brasil como potência emergente no cenário político mundial coloca o país em novas posições na hierarquia da geopolítica contemporânea. Dentre tantas faces através das quais se revela este fenômeno, uma delas é de particular interesse para aqueles que procuram identificar novas interconexões e fluxos humanos no ambiente cultural globalizado: a projeção hegemônica sobre países africanos, especialmente os de língua oficial portuguesa.

Vejamos neste artigo como este processo se dá em atualmente Moçambique, ex-colônia portuguesa tornada independente em 1975. Trata-se de um caso emblemático das possíveis novas configurações geopolíticas dadas por recentes mudanças à escala global. Mais ainda, o assunto aqui é o papel da cultura nesses processos, muitas vezes negligenciado quando se trata de fazer grandes análises sobre as dinâmicas macro-políticas atuais.

Dada a própria natureza do sistema colonial, os países africanos (no caso) são entidades políticas concebidas a priori em posição de subalternidade, como simples apêndices da Metrópole européia em todas as dimensões: política, econômica e cultural. Em relação a este último aspecto, temos como principal aspecto a incorporação da língua do colonizador na própria construção das identidades nacionais africanas. Para o nosso caso em questão, o português falado em Moçambique constitui-se em um patrimônio cultural genuíno, moldado e transformado pelos diferentes povos que compõem a diversidade cultural existente no país. Além disso, há também contribuições dadas pelas relações com os países vizinhos – todos ex-colônias britânicas – com quem os moçambicanos vem travando contato ao longo da sua recente história.

Já na atualidade, a entrada do Brasil neste quadro se dá na esteira da sua expansão político-econômica também recente, que por sua vez vai encontrar um Moçambique em pleno processo de instauração de uma sociedade pretensamente democrática, a partir de meados da década de 1990. O fato da língua comum faz deste país (assim como de Angola) uma área de influência privilegiada para a expansão brasileira, justamente pela condição única existente na região de estabelecer trocas que vão além da formalidade institucional. A particularidade destas trocas está no vasto campo que se abre para a inserção do notável capital humano brasileiro em várias áreas da sociedade moçambicana; via de regra, sobrepondo-se ao capital humano local, comparativamente menos qualificado. Note-se que estamos diante de uma relação flagrantemente desigual, em função das diferentes posições que os países ocupam no mundo contemporâneo.

Como expressão simbólica deste encontro de culturas, os meios de comunicação de massa exercem um papel fundamental no estabelecimento de valores e idéias que irão dar forma concreta à percepção social do fenômeno. Sem dúvida, dada a sua enorme capacidade de disseminar informações e visões de mundo, cabe principalmente à televisão o papel de atualizar os dados da realidade; longe de produzir uma imagem neutra dela, mas ao contrário, participando ativamente na construção da mesma. Enfim, um olhar sobre a inserção da televisão brasileira no cotidiano dos moçambicanos pode nos dar a dimensão exata deste quadro mais amplo que aqui se pintar.

Tele-visões: imagens à distância
Reflexo de uma "modernização" tardia que caracteriza a maioria dos países africanos, a atividade televisiva iniciou-se em 1981, com o surgimento da TVE (Televisão Experimental de Moçambique). Desde então, ela foi se expandindo em termos de programação, de público e de cobertura, adentrando cada vez o dia-a-dia das pessoas num ritmo lento, porém suficiente para chegar a se massificar consideravelmente por todo o país. Neste início, deve se considerar o contexto político monopartidário – no qual todos os meios de comunicação estavam subordinados ao governo – que propiciou a hegemonia da TVM (Televisão de Moçambique, fruto do embrião TVE), a emissora estatal; como empresa pública, estava enquadrada no âmbito da política cultural oficial.

Já neste momento inicial, as telenovelas brasileiras eram destaque da programação, alcançando largo sucesso de público, primeiro com O Bem Amado em 1986 e Roque Santeiro, no ano seguinte. Quatro vezes por semana e seis horas por dia, os moçambicanos iam incorporando personagens como Odorico Paraguassu, Zeca Diabo e Viúva Porcina ao seu imaginário. Daí para os dias de hoje, essa história só fez aumentar; com a ampliação da programação e o surgimento de outros canais nas décadas seguintes, tantos outros personagens e situações adentraram o universo cultural local, não de forma passiva, mas ao contrário, estabelecendo-se um diálogo criador de novos significados.

Inadvertidamente, muitas das temáticas trazidas pelas telenovelas desencadearam interessantes dinâmicas em Moçambique, desde a adoção de um vestuário mais "abrasileirado" (mais informal, contrastando com a formalidade do vestir local) até a debates públicos sobre diferentes temas, como a prostituição (retratada em Laços de Família e Paraíso Tropical), a juventude emergente consumista (vista no seriadoMalhação), a corrupção etc.

Outros subgrupos da sociedade moçambicana também viram alguns de seus elementos culturais abordados nas telenovelas como os indianos (em Caminho das Índias) e os muçulmanos (em O Clone). Neste sentido, não se pode deixar de falar sobre o impacto das representações sociais sobre os negros – afro-descendentes – na teledramaturgia brasileira, seja nas produções que retratam a escravidão (como em Escrava Isaura eSinhá Moça) ou naquelas que sublinham as suas posições subalternas e à violência a que estão mais expostos na sociedade.

Sem sombra de dúvida, a influência mais sensível deste fluxo intercultural está no vocabulário. Por via das telenovelas, o português brasileiro foi ganhando enorme espaço no dia-a-dia, ampliando-se assim, o repertório do próprio português moçambicano. Enfim, estudos mais aprofundados deste impacto ainda estão por se fazer, sem que se perca de vista o sentido desigual desta relação: são os meios de comunicação brasileiros que entram no cotidiano local e o contrário não se verifica. Longe disso. Conforme dito acima, estamos diante de um processo de projeção hegemônica de um país sobre outro, dentro do qual determinadas trocas simbólicas jogam um papel decisivo na sua consolidação e legitimação.

Sintonia fina
Entretanto, desde há um bom tempo, o fenômeno não se restringe às telenovelas. Acompanhando a própria expansão do mercado interno de comunicações no Brasil, a partir de meados dos anos 1990, uma série de outros programas televisivos passa a adquirir a capacidade de alcançar Moçambique e outras paragens . Estes são trazidos sobretudo pela Rede Record, cuja expansão mundial está diretamente ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, da qual é propriedade. E, como tal, carrega naturalmente a visão de mundo subjacente a toda este corrente religiosa conhecida como "neo-pentecostalismo" (ou simplesmente "evangélicos").

Comparada com as telenovelas da Rede Globo, a inserção da Rede Record em Moçambique é dotada de um caráter muito mais incisivo, não apenas por vir acompanhada da atividade religiosa em si, mas também pelo fato de em 1998, ter sido criada a TV Miramar (desde 2010, designada como Record Moçambique, é a líder de audiência no país), um canal local que retransmite parte programação original da TV Record, além de produções locais na mesma linha. Foi por esta via que programas de entretenimento como Raul Gil e Eliana tornaram-se sucesso de público no país. Para além destes, a veiculação de noticiário brasileiro acabou por expor mais ainda os moçambicanos a elementos da realidade brasileira.

É justamente a partir daqui que o processo como um todo começa a ganhar contornos mais complicados. Neste sentido, o caso mais emblemático foi a veiculação do célebre programa Cidade Alerta; trata-se de um noticiário policial sensacionalista, que aborda a questão da segurança pública de forma fragmentada e descontextualizada, onde o objetivo principal é atingir uma grande audiência a partir da espetacularização da já exacerbada violência das periferias brasileiras. Em Moçambique, este programa gerou um interessante caso de reflexividade, a ponto de em a sua exibição ter sido banida pelo governo, por supostamente estimular os criminosos locais a reproduzir técnicas e procedimentos "aprendidos" dos seus congêneres brasileiros. Aliás, é frequente os moçambicanos atribuírem problemas locais como a violência e "imoralidade" à influência dos programas de televisão brasileiros.

Entretanto, mais do que a simples veiculação das mazelas da sociedade brasileira – sendo a própria abordagem midiática em si uma dessas mazelas – ocorre hoje uma incorporação desse padrão estético nas próprias produções nacionais. É o caso do programa Balanço Geral, cujo formato originariamente brasileiro ganhou uma versão moçambicana, exibida pela TV Miramar. Trata-se de um programa de pretensa utilidade pública em que o apresentador faz as vezes de comentarista e de conselheiro diante das notícias, na sua maioria, sobre o cotidiano pobre e violento do chamado "povão". Embora não apresente a violência de forma explícita, o programa segue a linha de antecessores como Aqui e AgoraRatinho Livre e o próprio Cidade Alerta, no sentido de incutir no telespectador uma visão bastante distorcida e conservadora da realidade social. Até mesmo o linguajar e a gestualidade do apresentador moçambicano remetem ao sensacionalismo original.

A imitação do padrão estético contida no Balanço Geral moçambicano acaba por reproduzir conceitos e pressupostos problemáticos para abordar questões sociais locais. Assim como ocorre no Brasil, é possível identificar afinidades entre o discurso noticioso (explícito na performance do apresentador) e o discurso religioso (subjacente, de inspiração "evangélica"). Neste caso, interessa transmitir ao público uma imagem de degradação humana, a partir da forma espetacular e banalizada com que os fatos são tratados; não se propõe reflexão ou diálogo aberto na abordagem de fenômenos complexos, mas pelo contrário, reforça-se o simplismo do senso comum para legitimar posições autoritárias . É justamente aí que o discurso religioso encontra campo fértil para se contrapor ao apocalipse social e levar a sua mensagem de "salvação".

Outro exemplo vivo desta questão se deu recentemente, quando os moçambicanos tiveram a oportunidade de acompanhar – ao vivo – as operações das forças de segurança contra o narcotráfico no Complexo do Alemão (no Rio de Janeiro). Exposto à visão parcial dada pelos meios de comunicação brasileiros – pela Rede Globo e Record, basicamente – o público local acaba por ter como única referência a cobertura um tanto controversa do tema. O dado preocupante aí é que se trata desses mesmos grupos de mídia que investem pesado no mercado de comunicação moçambicano, ainda em expansão e extremamente aberto a influências externas.

Cenas do próximo capítulo...
Também em meados desta última década, a introdução do serviço de televisão a cabo ampliou ainda mais o leque de opções no mercado moçambicano, ainda que seja para uma elite bastante restrita. Além das já conhecidas TV Globo Internacional e Record Internacional (e o canal de notícias Record News) – que reproduzem quase que integralmente a programação brasileira – estão disponíveis também o canal de esportes PFC e a TV Brasil. Inclusive, esta última abriu escritório em Maputo no ano passado; e em termos de conteúdo, aparece como uma proposta mais interessante de diálogo intercultural.

Ainda em relação ao desenvolvimento da televisão propriamente moçambicana, há que se registrar o aparecimento da emissora privada STV, em 2002. De acordo com a percepção popular, a STV aparece como um fator de diversificação das fontes de informação, em contraposição à TVM, cada vez mais percebida no senso comum como uma caixa de ressonância do discurso oficial do governo. À medida que se consolida, acaba por cumprir um papel importante no desenvolvimento da sociedade civil moçambicana, historicamente restrita por força de diversas contingências sociais e políticas. E uma vez que o cenário atual aponta para possíveis transformações no fazer televisivo moçambicano – seja em função de dinâmicas internas e pela pressão exercida pela qualidade técnica das produções externas (brasileiras, por exemplo) – mais do que nunca impõe-se ao público moçambicano mais atenção com os conteúdos a que é exposto. Dada a condição de dependência externa e de vulnerabilidade que caracteriza o país, a televisão pode vir a ser um fator a mais do seu reforço.

Fonte: Observatório da Imprensa (Marilio Wane).

28 de fevereiro de 2011

Por uma regulamentação da internet democrática


Iniciado em outubro de 2009, o governo brasileiro através do Ministério da Justiça, lançou uma consulta pública para discutir a regulamentação da internet no país. Segundo a assessoria da Secretaria de Assuntos Legislativos, setor responsável por coordenar a consulta, o objetivo era  regulamentar os direitos dos que usam a internet.

Ao término das suas primeira e segunda fase, foram cerca de 2000 contribuições, entre comentários, e-mails e referências propositivas em sites. Isto criou um ante-projeto de Lei, que aguarda na Casa Civil para ser enviado ao Congresso para aprovação.

Desde o início sabia-se dos gargalos que o debate iria enfrentar: guarda de logs,  responsabilização de provedores e, talvez o mais polêmico de todos, a retirada e monitoramento de conteúdos de sites, blogs, etc.

É preciso ter clareza de que este último ponto versa sobre o que as democracias modernas sempre defenderam: a liberdade de expressão e a livre circulação de conteúdos. Qualquer legislação que de alguma forma venha restringir estes direitos, que são pilares centrais de um Estado que se diz democrático, deve ser veementemente repelida e combatida de forma sistemática, com ampla mobilização da sociedade civil.

Posturas como a do site Amazon.com que em 2009 deletou de forma remota algumas das edições digitais de livros – e-books -  dos aparelhos Kindle de leitores que haviam comprado os título, não condiz com a atual estrutura em que se encontra a sociedade mundial.

Ora, o problema todo, é que  as edições eletrônicas dos livros já tinham sido adquiridas pelos consumidores. Isso já eliminaria qualquer incidência da empresa sobre os produtos. A empresa utilizou um acesso remoto, através de rede sem fio.

A postura do site, que é uma das maiores lojas de vendas on line do mundo, deixou os consumidores furiosos e gerou ondas de irritação online. Em sua defesa, a empresa alegou que os livros foram adicionados à loja Kindle por uma empresa que não detinha os direitos autorais.

No final do ano de 2010, tivemos o emblemático caso do site Wikileaks, que sofreu dura repressão do governo americano por ter divulgado documentos que embaixadas americanas espalhadas no mundo enviaram para a Casa Branca. Os documentos datam do período de 1966 a fevereiro de 2010. Em seu bojo, poucas informações relevantes.

O site foi imediatamente tirado do ar e seu fundador, Julian Assange, vítima de uma armação que o incriminava por crimes de abusos sexuais. No fundo, a acusação era pretexto do governo americano para prender o jornalista australiano.

Este ato demonstrou que o Estado que se auto declara como modelo de democracia mundial não tem habilidade para lidar com a liberdade de expressão e com a livre circulação de conteúdos na internet.

Mas os Estados Unidos não é o único país que de forma intransigente e autoritária proíbe a livre circulação da  informação na rede mundial de computadores e apela para a censura quando se sente ameaçado pela internet.

Vimos o mesmo acontecer recentemente no Egito, durante as manifestações da população que pedia a saída do presidente Hosni Mubarak, que há 30 anos dirige o país.

Os protestos, raros no país, tiveram suas origens de mobilização pela internet, por meio de uma página no Facebook. Os organizadores, que prometiam manter a mobilização até a queda do governo, diziam protestar contra a tortura, a pobreza, a corrupção e o desemprego. Os organizadores vinham usando também o Twitter para mobilizar as manifestações, mas o serviço de acessoa à rede foi bloqueado pelas autoridades. Mesmo assim, o primeiro-ministro, Ahmed Nazif, afirmou que o governo está comprometido com a liberdade de expressão.

Exemplos de posturas como as descritas acima devem sim servir para um propósito: o de que a regulamentação da internet no Brasil deve respeitar acima de tudo o princípio da liberdade de expressão e a livre circulação de conteúdos, possibilidade peculiar da rede mundial de computadores. O contrário disso, representa seguir o rumo da contramão da história.

Na primeira Conferência de Comunicação, realizada em dezembro de 2009, que contou com delegados da sociedade civil, do poder público e do setor empresarial, ficou clara a posição destes setores em relação ao tema. A resolução, aprovada de forma consensual, foi o posicionamento oficial da 1ª. Conferência Nacional de Comunicação em relação ao Marco Civil da Internet:

“Aprovação de lei que defina os direitos civis nas redes digitais que inclua, mas não se limite, a garantir a todos os cidadãos:

1 – O direito ao acesso à Internet sem distinção de renda, classe, credo, raça, cor, orientação sexual, sem discriminação física ou cultural;

2 – O direito à acessibilidade plena, independente das dificuldades físicas ou cognitivas que possam ter;

3 – O direito de abrir suas redes e compartilhar o sinal de internet, com ou sem fio;

4- O direito à comunicação não-vigiada.

Qualquer marco regulatório que venha de encontro ao que foi aprovado na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, deve ser encarado como uma afronta a liberdade de expressão e a livre circulação de conteúdos.

Reforçar este ponto chave no debate da regulação da internet do Brasil deve ser uma tarefa de todas e todos os brasileiros.

Não queremos empresas entrando em nossos sistemas e apagando arquivos, e muito menos ser preso por fazer divulgação de informação. Afinal, a sociedade merecer e deve ser informada.

27 de fevereiro de 2011

Entrevista especial: Por onde anda o Ginga...

No Brasil onde infelizmente pouco se investe em Pesquisa e Desenvolvimento e, em especial, na indústria nacional de tecnologia, o Ginga, um middleware - software intermediário que permite o desenvolvimento de aplicações interativas para a TV Digital - ficou famoso internacionalmente pela sua qualidade e inovação e já foi adotado por diversos países. Mas, ainda luta pelo reconhecimento do mercado brasileiro.

A tecnologia é resultado de anos de pesquisas lideradas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e reúne um conjunto de tecnologias e inovações brasileiras que o tornam a especificação de middleware mais avançada e adequada à realidade do país.

Para saber mais sobre a situação atual do Ginga, o Instituto Telecom conversou com Luiz Fernando Gomes Soares,  Coordenador do Laboratório TeleMídia da PUC-Rio e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Ginga. Confira abaixo a entrevista especial para o Nossa Opinião desta semana.

1)Como a utilização do Ginga pode auxiliar na melhoria de vida para a população?
Fernando Gomes - Uma das características mais importantes da TV digital é a integração de uma capacidade computacional significativa no dispositivo receptor, permitindo o surgimento de uma vasta gama de novos serviços, como a oferta de guias eletrônicos de programas, o controle de acesso e a proteção de conteúdo, a distribuição de jogos eletrônicos, o acesso a serviços de utilidade pública (serviços bancários, serviços de saúde, serviços educacionais, serviços de governo etc.) e, em especial, os programas não-lineares (programa de TV composto não apenas pelo áudio principal e vídeo principal, mas também por outros dados transmitidos em conjunto. Por isso TV digital é um caso particular de sistemas hipermídia.

2) Qual é a situação atual do Ginga? Ele está parado, existe alguma ação, ou projeto por parte do governo e da indústria de inseri-lo no mercado?

FG- Em 2009 a linguagem NCL¹ e o middleware Ginga-NCL foram escolhidos como Recomendação UIT-T (Setor de Normatização das Telecomunicações da União Internacional de Telecomunicações) para serviços IPTV². Era a primeira vez que o país tinha um padrão mundial na área das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação). Era o reconhecimento internacional que tínhamos a melhor proposta de middleware declarativo. NCL e Ginga-NCL são os únicos padrões SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital) obrigatórios para todos os tipos de terminais (fixos, móveis e portáteis) e são os únicos padrões multiplataforma, para TV terrestre, satélite e IPTV.

O Ginga-NCL está pronto e implementado por diversos fabricantes desde 2007. O que ficou parado foi a parte Java, por problemas de royalties, inexistentes no Ginga-NCL.Desde o início de 2010, entretanto, a parte Java também estava pronta, como proposta pela Oracle (na época SUN).Vários produtos hoje do mercado tem o Ginga embarcado, no Brasil e no exterior.

O que falta são mais aplicações no ar, por consequência de um modelo de negócio ainda não muito entendido quanto à exploração da interatividade.

3)Por que o Ginga ainda não chegou à população de fato? A incorporação deste middleware pode encarecer os aparelhos de TV?
FG-  Apenas com o Ginga-NCL encareceria pouquíssimo, com a parte Java encarece bem mais, mas mesmo assim, o custo de se ter o Ginga é muito baixo. Acontece que na área de eletrônica de consumo a escala é muito grande e qualquer “parafuso” a mais, quando multiplicado por milhões de aparelhos, representa um investimento alto. Então se economiza em tudo.

4)O que foi a campanha “TV Digital sem Ginga Não!” e qual a sua repercussão?

FG-  O que tem ficado cada vez mais óbvio é que ter apenas uma imagem bonitinha não basta. Não é aí que está a revolução dessa nova tecnologia. Aliás, o mote da campanha era: “bonitinha que só, mas sem Ginga dá dó”.

Além de tudo, não podemos esquecer que um dos grandes motivos para a definição do SBTVD foi a inclusão social. Inclusão social não existe sem interatividade.

5)O Ginga já está sendo utilizado por outros países, como por exemplo, a Argentina. Por que isso está acontecendo primeiro lá fora do que aqui?

FG-  Uma das razões foi por eles terem escolhido manter só o Ginga-NCL, por na época ser a solução já um sucesso (o Java ainda estava sem definição), permitir a construção de terminais de mais baixo custo, por possibilitar que esses países também se apropriassem do conhecimento e da tecnologia, e pelo fato de Ginga-NCL ser o único padrão para todos os tipos de TVs terrestres e também para serviços IPTV.

Hoje são vários os países que já adotaram o Ginga. Na América Latina temos: Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai, Costa Rica.
Uma das razões pelo grande avanço da Argentina foi o plano de popularização do set-top box³ com interatividade proporcionado pelo governo, com grande apoio das emissoras públicas no desenvolvimento de aplicações NCL-Lua.

6)O Ginga já está no mercado brasileiro?

FG-  Ele já está no mercado: TVs da LG, Sony, Semp-Toshiba, Phillips; celulares da Nokia, set-top de vários pequenos fabricantes já são vendidos com o Ginga. Os radiodifusores, embora  ainda timidamente, já têm várias aplicações no ar.

7) Alguma política por parte do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) , ou Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) está sendo feita para introduzir o Ginga no mercado brasileiro?

FG-  O apoio do governo ao Ginga foi total. Não podemos reclamar. Podia ter sido feito mais? Sempre pode. Os financiamentos têm sido penosos para as universidades e institutos de pesquisa, algumas vezes mal direcionados, mas é natural, até porque o país também está aprendendo nesta parte de inovação tecnológica.

Quanto ao financiamento das empresas e política industrial, aí é outra coisa e não tenho dados para opinar.

8) O mercado de radiodifusão brasileiro quer o Ginga, ou ainda existe alguma resistência?

FG-  O radiodifusor é muito complexo. Eles dizem que querem o Ginga, desde o princípio, mas colocaram muitas barreiras sim, principalmente para as inovações brasileiras, que primeiramente tiveram de ganhar a credibilidade internacional, antes de ganhar credibilidade aqui. Infelizmente muitos ainda não acreditam que o Brasil pode desenvolver tecnologia de ponta. O Ginga é só um exemplo bem sucedido, por uma série de fatores não apenas técnicos. Mas tem muita coisa boa desenvolvida nas Universidades e que estão perdidas por aí. Se acreditassem mais nas universidades, não só no discurso, muito mais Gingas surgiriam.

Hoje eu diria que não existe uma resistência à interatividade, mas sim um modelo de negócio mais claro e bem definido.

9) Você acha que com a possibilidade das teles entrarem no mercado de TV por assinatura o Ginga pode ganhar apoio das empresas e se tornar um diferencial competitivo?

FG-  Acredito e aposto muito nisto. NCL e Ginga-NCL, como disse, são padrões mundiais UIT-T para serviços IPTV. Acredito também que o sonho da inclusão social de fato, não apenas no acesso a informação, mas também na geração de conteúdo, vá ter um impulso muito grande com a convergência de serviços IPTV com a TV aberta. Vai haver resistência? Vai. Pois, infelizmente, muitos ainda entendem a convergência como substituição, erradamente. Convergência é integração, complementação.

10) Você acha que a sociedade precisa conhecer melhor o Ginga? Existe algum movimento civil para pressionar o governo a utilizá-lo?

FG-  A sociedade vai conhecendo a interatividade aos poucos. Mas uma das maiores vantagens de NCL é o fato de que o desenvolvimento de conteúdo interativo pode ser feito de forma muito fácil, sem a exigência de especialistas. Ou seja, NCL é uma tecnologia ao alcance de todos. Meu sonho é ver muito em breve TVs Comunitárias, Pontos de Cultura, Telecentros fazendo produções em NCL. Aguardem o Programa Ginga Brasil com esse enfoque.
  
¹ NCL: é uma linguagem declarativa para especificação de documentos hipermídia baseada no modelo conceitual NCM - Nested Context Model (modelo de contextos alinhados).
² IPTV: Método de transmissão de sinais televisivos através do protocolo IP (Protocolo de Internet)
³ Set-top box : Conversor externo para TV Digital

26 de fevereiro de 2011

CPMI DO MST: Acabou. E a mídia escondeu

O Blog da Redação da Repórter Brasil informou na sexta-feira (18/2) que foi encerrada oficialmente a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
"A instância criada pelos ruralistas para vasculhar as contas do movimento foi coberta com uma pá de cal no último dia 31 de janeiro, sem que o relatório final fosse submetido à votação dos membros da comissão".
Durante meses, a finada CPMI foi capa dos jornalões e assunto predileto dos "calunistas" das emissoras de televisão – com destaque para os comentários sempre venenosos de Willian Waack, âncora da TV Globo. A revista Veja produziu várias "reporcagens" para atacar os movimentos de luta pela reforma agrária. Editoriais foram fartamente usados para atacar caluniosamente o MST por "desvio de recursos públicos".

Silêncio dos jagunços da mídia
Agora, a mesma mídia venal deixa de destacar o enterro formal da CPMI – o que confirma que ela é um instrumento dos latifundiários, muitos deles travestidos de modernos empresários do agronegócio. O que era manchete, virou notinha de rodapé ou simplesmente foi omitido no noticiário. Josias de Souza, Boris Casoy, Willian Waack e outros inimigos da reforma agrária fazem um silêncio cúmplice – lembram os jagunços do latifúndio.

Conforme relembra o sítio Repórter Brasil, o requerimento que criou a chamada "CPMI do MST" foi apresentado pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) em 21 de outubro de 2009. Seu intento explícito era o de criminalizar a luta pela reforma agrária. O requerimento definia como objetivos:
"Apurar as causas, condições e responsabilidades relacionadas a desvios e irregularidades verificados em convênios e contratos firmados entre a União e organizações ou entidades de reforma e desenvolvimento agrários, investigar o financiamento clandestino, evasão de recursos para invasão de terras, analisar e diagnosticar a estrutura fundiária agrária brasileira e, em especial, a promoção e execução da reforma agrária".
Inexistência de provas
"Ao longo das 13 reuniões oficiais, foram ouvidas dezenas de pessoas – de integrantes de entidades e associações que desenvolvem atividades no meio rural a membros das mais diversas pastas do Executivo federal, passando por especialistas na questão agrária. Além das oitivas, o processo contou ainda com apurações paralelas (por meio de requisições de documentos e informação, por exemplo) que constam do plano de trabalho previamente aprovado pela comissão presidida pelo senador Almeida Lima (PMDB-SE)", descreve o sítio Repórter Brasil.

Ao final dos trabalhos, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP) apresentou o relatório final em julho de 2010, no qual frisava a "inexistência de qualquer irregularidade no fato de as entidades [denunciadas pelos idealizadores da CPMI] manterem relações e atenderem público vinculado a movimentos sociais". Restava apenas a votação da peça conclusiva na própria comissão. Mas os propositores originais pressionaram com a ameaça de um voto em separado e conseguiram forçar a prorrogação da CPMI por mais seis meses.

Palanque eleitoral dos ruralistas
Na ocasião, a Secretaria Nacional do MST divulgou nota em que repudiou a manobra e enquadrou a CPMI como uma tentativa ruralista "para barrar qualquer avanço da reforma agrária, fazer a criminalização dos movimentos sociais, ocupar espaços na mídia e montar um palanque para a campanha eleitoral". Enquanto isso, o vice-presidente da comissão (Onyx) declarava que, se confirmada a prorrogação dos trabalhos até janeiro de 2011, haveria condições de provar que o governo utilizou dinheiro público para financiar ações do movimento.
"O prazo da prorrogação chegou ao fim, no final de janeiro, sem que nada mais fosse votado ou discutido. Em tempo: a confirmação do encerramento formal da CPMI do MST surge no bojo do anúncio da decisão unânime da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que determinou o trancamento do processo instaurado contra integrantes do MST, acusados da prática de crimes durante a ocupação da Fazenda Santo Henrique/Sucocitrico Cutrale entre agosto e setembro de 2009, mesma época em que foi articulada a ofensiva contra os sem-terra que veio a dar origem à comissão".

Fonte: Observatório da Imprensa (Altamiro Borges).