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22 de dezembro de 2010

As regras para transmissão de jogos

Uma decisão judicial importante acabou sendo deixada um pouco de lado nos últimos meses. Graças às discussões sobre a atuação da mídia nas eleições deste ano e os focos de discussão sobre regulamentação midiática, uma ação que envolve duas das maiores paixões do brasileiro, o futebol e a televisão, acabou passando quase despercebida por quem se interessa por ambos os assuntos.

Em setembro de 2010 foi noticiado o pedido de vistas pelo Ministério Público Federal, através do Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade), quanto a um possível cartel entre Rede Globo e Clube dos Treze em relação aos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, que não abriria espaços para a entrada de outras emissoras além daquelas permitidas pela Globo para transmitir o evento. Além disso, as restrições impostas, dentre as quais de não mostrar jogo de forma exclusiva, fato que fez com que a Record não continuasse a transmitir o torneio após 2007 e virasse mais um elemento para a briga corrente entre as emissoras, entrou como alvo da ação.

A verdade é que a Globo ainda possui poderes de mercado excessivos, sobrepostos aos das demais redes, com as vantagens de precedência que se traduzem em adesão ao telespectador, força política e relação privilegiada com agências de publicidade e anunciantes. Esses poderes – assimétricos por excelência – resultam não só de concentração, apresentando consequências tecnológicas, produtivas, comerciais e distributivas (BRITTOS, 2008, p. 159-160).

A decisão sobre a questão foi proferida pelo Cade no final de outubro e ela extinguiu o direito de preferência da Rede Globo na negociação dos direitos de TV do Campeonato Brasileiro (a partir de 2012) e a negociação separada por mídias (TV aberta, TV por assinatura, pay per view, internet e celular). Tal decisão pode configurar uma alteração na estrutura atual de gestão do futebol brasileiro, mesmo que ainda permaneça a possibilidade de quem vencer o processo licitatório manter a estrutura monopólica dos direitos de transmissão – motivo que fez com que o presidente do plenário do Cade, Artur Badin, fosse o único a não homologar a decisão.

Garantia de boa parte das rendasAinda assim, enfrentar um conglomerado como o formado pelas Organizações Globo é complicado num país como o Brasil, por o mesmo atuar sob as mais diversas frentes: o jornal fundador do grupo midiático, O Globo; passa pela rádio AM – e hoje se configura na parceria da Rádio Globo com a rádio CBN para a transmissão futebolística; além da transmissão dos sites, com vídeos dos melhores momentos, mas com a transmissão ao vivo para quem tem a conta do portal cujo conteúdo é controlado pelo grupo. Além disso, o controle das organizações também possui a exclusividade na TV fechada, com os canais SporTV e Premier Futebol Clube; além do controle das vendas de pay per view.

Este cenário representado acima demonstra que a multiplicação das ofertas culturais, fase atual do sistema capitalista no campo da produção de bens simbólicos, não se aplica como forma de multiplicidade de discursos a serem oferecidos, já que oligopólios podem ser formados para manter no menor número de grupos midiáticos a tutela da produção de bens simbólicos que, no caso da Globo, refletem a preparação da mídia televisiva para o confronto com outras mídias.

Tal decisão só será discutida, na prática, a partir do ano que vem, quando serão definidos os processos para transmissão dos torneios nacionais a partir de 2012 e o Clube dos Treze, representante dos clubes de maiores torcidas do Brasil, mostrar se cumprirá a ação ou vai criar alguma ferramenta para manter a emissora da família Marinho no comando do futebol brasileiro.

Vale lembrar que, com a situação atual, a maior rede de comunicação do país consegue ter o controle total sobre as ações de um evento de importante relevância para a população brasileira. Para a maioria dos clubes, é o direito de transmissão (acoplado com o valor de vendas do pay-per-view) que garante boa parte de suas rendas e, quando necessário, a antecipação de verbas para o pagamento de dívidas frequentes nos, em sua maioria, mal administrados times de futebol.


Referência bibliográfica:
BRITTOS, Valério Cruz. Políticas de comunicação, videodifusão e democracia no Brasil. In: BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. (org.). Comunicação, Educação, Economia e Sociedade no Brasil: Desenvolvimento histórico, estrutura atual e os desafios do século XXI. São Cristovão: Editora UFS, 2008. (Biblioteca Eptic; 5).


Fonte: Anderson Santos (Cepcom-Comulti).
*Publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

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