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30 de dezembro de 2010

O mundo regula a mídia

“Regular a comunicação nada mais é do que cumprir com o Estado de Direito”

Integrantes do Coletivo Intervozes falam sobre estudo que lança luz sobre o funcionamento dos órgãos reguladores do setor em 10 países


Eduardo Sales de Lima
da Redação

Toda vez que se fala sobre a necessidade de se regular a comunicação no Brasil, os grandes meios do país disparam: tal medida seria “ditatorial”, “atentado à liberdade de expressão”, “cerco à mídia”. Ignoram, ou fingem ignorar, que mecanismos de controle sobre o setor existem em muitas nações do mundo, inclusive aquelas consideradas exemplos de democracia para esses mesmos meios.

O Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social realizou um levantamento sobre o funcionamento de órgãos reguladores que atuam sobre a rádio e a televisão em 10 países. O estudo trouxe à tona o caráter independente desses órgãos, com ênfase nas questões de garantia de competição, gestão do espectro e regulação de conteúdo.

Os países estudados foram Reino Unido, França, Canadá, Estados Unidos, Bósnia e Herzegovina, Argentina, Uruguai, Alemanha, Espanha (com um capítulo especial sobre a Catalunha) e Portugal. A seguir, leia uma entrevista, via correio eletrônico, com Ramênia Vieira da Cunha e Sivaldo Pereira, ambos pesquisadores responsáveis pela pesquisa.

Brasil de Fato – Dos países que vocês pesquisaram, qual (ou quais) apresentaram uma estrutura de regulação de mercado e conteúdo que mais lhe(s) chamaram a atenção positivamente? Por quê?
Sivaldo Pereira – Podemos apontar, por exemplo, a independência e a efetividade do modelo britânico com o Ofcom (Departamento de Comunicação) e o modelo bósnio-herzegovino, com a Agência Regulatória da Comunicação (CRA). O Ofcom, por exemplo, busca concretizar o ideal de uma agência autônoma sem perder em força regulatória do Estado. Possui um código de qualidade de conteúdo para a radiodifusão que é constantemente debatido e atualizado e que dá as diretrizes para o bom andamento dos sistemas de comunicação, chegando inclusive a aplicar uma média de 18 multas por ano a empresas infratoras. Veja que ninguém chama isso de censura, nem mão de ferro do Estado, nem ditadura da esquerda, como se fala no Brasil: nada mais é do que o Estado de Direito sendo cumprido.

Na Bósnia e Herzegovina, a criação de uma agência regulatória que busca cumprir os princípios de qualidade e ética à risca é justamente uma resposta ao trauma que o país sofreu devido ao mal uso da comunicação de massa no contexto da guerra, considerado por muitos especialistas um dos principais elementos que levaram o país ao conflito. Esses sistemas, de algum modo, preveem formas de participação do cidadão no sistema, aproximando-se, assim, do interesse do público.

Ramênia Vieira da Cunha – A Alemanha me chamou muito a atenção, por manter uma estrutura com autoridades de regulação da mídia em cada estado da federação (são 16 estados regulados por 14 autoridades de mídia – duas delas têm jurisdição sobre dois estados). Isso torna a regulação mais adaptada à realidade de cada uma dessas regiões, cabendo à associação nacional das autoridades (a ALM) o papel de agente regulador das transmissões e coberturas de abrangência nacional. A preocupação com a proteção à criança e ao adolescente também chama a atenção na legislação alemã.

Na Espanha, é a defesa contra a discriminação da mulher que ganha um bom espaço na regulação do conteúdo e do funcionamento das emissoras de radiodifusão. No Uruguai, ainda que o marco regulatório ainda esteja em discussão, o modelo atual prevê a regulação das telecomunicações e da comunicação audiovisual por um único órgão, o que elimina eventuais choques de competências entre organismos distintos e pode ser fator positivo para o controle efetivo sobre o funcionamento das emissoras.

No geral, como funciona a regulação de conteúdo nos países pesquisados por você? As agências reguladoras são, de fato, independentes?
Sivaldo – Os países que conseguem hoje ter melhor qualidade de conteúdo são aqueles que possuem códigos que buscam cristalizar princípios aos quais os meios estão submetidos democraticamente. Observe que não se trata de impor quais conteúdos devem ou não ser veiculados pelos meios, pois isso implicaria em podar a criatividade e a liberdade de expressão. Na verdade, trata-se de garantir que os conteúdos sejam plurais, diversos e que respeitem questões como equilíbrio de gênero, étnico, regional e político.

Ramênia – Há características comuns entre os agentes reguladores pesquisados. Uma delas é a busca pela independência em relação às empresas de comunicação, públicas ou privadas, e aos governos. O Executivo e o Legislativo participam, em maior ou menor grau, da indicação dos componentes dos órgãos reguladores, geralmente com participação prévia da sociedade. De qualquer forma, a maior parte dos países impede que os órgãos tenham como diretores pessoas com interesses econômicos ligados direta ou indiretamente ao setor regulado. O problema é montar um sistema legal que consiga identificar plenamente essas relações de interesses.

De forma geral, os organismos de regulação têm atuação tanto sobre o licenciamento das emissoras quanto sobre o mercado – em alguns casos, como na Alemanha, com controle sobre a concentração de poder econômico e político, pelo menos em termos teóricos. Esses órgãos também determinam a existência de infrações à lei e aplicam as respectivas sanções. Em termos de regulação de conteúdo, os organismos de regulação agem a partir de denúncias feitas pelo público ou por meio do monitoramento da programação pós veiculação. Ou seja, não ocorre nenhum tipo de censura prévia nos países pesquisados.

A proibição de que os órgãos de regulação tenham como diretores pessoas com interesses econômicos ligados direta ou indiretamente ao setor regulado me parece algo muito distante da realidade brasileira (leia matéria sobre um possível marco regulatório no Brasil na página 11). O Brasil já apresenta um acúmulo no debate que possa pressionar os poderes públicos para a criação de uma agência com um caráter participativo de toda a sociedade?
Ramênia – O Brasil está iniciando um processo. O debate existe, embora ainda muito restrito às universidades e às organizações não governamentais que militam na área. Mas é um processo que vai avançar, certamente. Claro que, pelas características das empresas de comunicação em atividade no Brasil e pela fase de desregulamentação das comunicações verificada na segunda metade do século passado, será um processo mais semelhante ao instalado na Argentina – de disputas acirradas de poder e de ações desesperadas por parte das empresas para evitar a perda da hegemonia – do que a relativa tranquilidade com que a regulamentação foi estabelecida na Europa, a partir de diretivas da União Europeia.

Sivaldo – Essa cultura política que envolve participação e autonomia ainda é um desafio no Brasil. Órgãos como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) buscam autonomia mas não se abrem efetivamente para a participação do cidadão comum. Isso acaba repercutindo – ou reforçando – um perfil demasiadamente técnico-econômico. Algo claramente sentido na hora de a agência regular o setor das telecomunicações, por exemplo: ao invés de priorizar o mérito de um “player” em cumprir horizontes e princípios constitucionais valoriza-se, apenas, sua robustez enquanto empresa. Mas creio que estamos num momento importante de se pressionar para que haja um modelo regulatório que triangule participação, autonomia e efetividade, como ocorre em qualquer país democrático. Por isso que o debate sobre regulação dos meios de comunicação não pode ser mais estigmatizado como violação à liberdade de imprensa. É simplesmente o Estado de Direito sendo posto a funcionar. Empresas de comunicação das diversas áreas como impresso, TV, rádio, telefonia, internet não estão acima da lei: precisam cumprir regras e prestar contas de suas atividades, responder por elas publicamente. Toda democracia pressupõe veículos de comunicação livres, mas também pressupõe que os mesmos estejam qualificados para cumprirem suas funções públicas ao invés de servir a interesses privados de grupos econômicos ou políticos.

Alguns países trabalham ainda com questões de imparcialidade e pluralidade de visões na cobertura jornalística. No Brasil, a grande mídia prima por um jornalismo que não é plural, isso é fato. Nesse setor, nosso país estaria muito atrasado em relação aos países pesquisados?
Sivaldo – Sim. O Brasil está muito aquém de um modelo de regulação sofisticado em termos democráticos. Na verdade, mal temos regulação no setor. Veja que caiu a Lei de Imprensa, que não era boa, mas ficamos na várzea... sem regulação nenhuma para o setor, o que é ainda pior. E na radiodifusão e telecomunicações, onde sobrou alguma regulação precária, prevalece uma omissão institucionalizada, como é o caso da prática já histórica do Ministério das Comunicações ou um tecnicismo econômico fechado em si mesmo, como é o caso da Anatel.

O problema é que essa mistura de selva regulatória, omissão e tecnicismo não é mais sustentável. Não mais nesses tempos de convergência tecnológica. E, para piorar, o Brasil ainda luta para ter um sistema público de comunicação, aquele de forte presença, autonomia e que não possua fins lucrativos e tenha independência em relação ao governo (a exemplo da NHK, no Japão, o sistema ARD e ZDF da Alemanha ou a famosa BBC britânica).

Em solo brasileiro, prevaleceu uma distorção em que há um hiperdesenvolvimento de um sistema de comunicação privado, isto é, com fins lucrativos, algo que não ocorre em boa parte de países democraticamente desenvolvidos. E falo no sentido clássico de “public broadcast” (radiodifusão pública), em que há investimento público significativo que mantém um sistema de comunicação qualificado e independente. Algo diferente, por exemplo, de um veículo estatal diretamente subordinado ao governador ou presidente. No Brasil, a criação da EBC já foi um avanço. Porém, ainda temos poucos investimentos e é preciso aumentar a participação civil no controle da empresa, desvinculando-a ainda mais do governo e dando meios para se transformar numa grande rede que possa equilibrar-se ao sistema comercial hoje preponderante no país.


Sivaldo Pereira da Silva é PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Alagoas e membro do Intervozes.
Ramênia Vieira da Cunha é jornalista e membro do Intervozes.

O valor da notícia

Semanas atrás [N. da R: Base maio de 2007], a página de economia do jornal alemão Die Zeit assustou seus leitores com a manchete "O quarto poder corre perigo?". Tratava-se da notícia alarmante de que o Süddeutsche Zeitung rumava para um futuro econômico de incertezas.

A maioria dos acionistas quer se ver livre do jornal; caso as coisas se encaminhem para um leilão, é possível que um dos dois bons diários supra-regionais da Alemanha [o outro é o Frankfurter Allgemeine] caia nas mãos de investidores privados, fundos de investimento ou conglomerados de mídia.

Haverá quem diga: "Business as usual" [negócios, como sempre]. O que poderia haver de alarmante no fato de que os proprietários queiram fazer uso de seu direito de se desfazer de seus negócios, sejam quais forem seus motivos?

A crise dos jornais, desencadeada no começo de 2002 pelo colapso do mercado publicitário, ficou para trás – no Süddeutsche Zeitung e em outros órgãos de imprensa da mesma dimensão. As famílias que agora se dispõem a vender sua participação detêm 62,5% das ações e escolheram um momento propício.

Apesar da concorrência digital e dos novos hábitos de leitura, os lucros vêm aumentando.

Deixando de lado a boa conjuntura econômica, os lucros se devem sobretudo a medidas de racionalização com impacto direto sobre o desempenho e a margem de manobra das redações. Notícias bombásticas à maneira do jornalismo norte-americano ditam a tendência atual.

Assim, por exemplo, o Boston Globe, um dos poucos jornais de centro-esquerda dos EUA, teve que renunciar a todos os seus correspondentes no estrangeiro, enquanto os grandes encouraçados da imprensa nacional – como o Washington Post e o New York Times – temem a capitulação diante de fundos ou conglomerados ávidos por "sanear" jornais em vista de taxas de lucro descabidas; no caso do Los Angeles Times, esse já é fato consumado.

Jugo do lucroHá três semanas, o Die Zeit voltou à carga, falando de um "ataque de Wall Street à imprensa dos EUA".

O que há por trás desse tipo de manchete? Certamente, o temor de que os mercados não façam justiça à dupla função que a imprensa de qualidade até hoje desempenhou: atender à demanda por informação e formação, sem comprometer taxas de lucro aceitáveis.

Mas os lucros em alta não serão uma confirmação de que jornais ‘enxutos’ satisfazem melhor os desejos de seus consumidores?

Conceitos vagos como "profissional", "arrojado" ou "sério" não servem apenas para velar a preeminência concedida ao leitor adulto, que sabe o que quer?

A imprensa terá o direito de, sob o pretexto da "qualidade", cercear a liberdade de escolha de seus leitores?

Por que forçar a leitura de reportagens áridas em vez de infotainment [fusão, em inglês, das palavras "information" e "entertainment", informação e entretenimento], comentários objetivos e argumentos circunstanciados, ao invés de encenações apelativas de personalidades e acontecimentos?

A objeção que se manifesta nessas questões se baseia na suposição polêmica de que os consumidores escolhem com autonomia, segundo suas preferências pessoais. Mas essa espécie de verdade acaciana certamente induz ao erro quando se trata de uma mercadoria tão peculiar quanto a informação política e cultural. Pois essa mercadoria a um só tempo atende e transforma as preferências de seus consumidores.

Formação em massaNão há dúvida de que leitores, ouvintes e espectadores seguem suas preferências ao fazer uso dos meios de comunicação: querem se divertir ou se distrair, querem se informar ou tomar parte em debates públicos.

Mas, quando se interessam por um programa político ou cultural, quando recebem a "bênção matinal realista" da leitura de jornais, todos se expõem – com alguma medida de autopaternalismo- a um processo de aprendizado de resultados imprevisíveis.

No curso de uma leitura, novas preferências, convicções ou juízos podem se formar.

A metapreferência que orienta uma tal leitura se dirige então àquelas prioridades que se exprimem na auto-imagem de um jornalismo independente e que fundamentam o prestígio da imprensa de qualidade.

A polêmica sobre o caráter peculiar da mercadoria "informação e formação" faz pensar no slogan que fez furor quando do surgimento da televisão: essa nova mídia não seria mais que "uma torradeira com imagens".

Pensava-se que a produção e o consumo de programas televisivos podiam ser deixados inteiramente a cargo do mercado. Desde então, as empresas de comunicação cuidam de fornecer programas para seus espectadores enquanto vendem a atenção do público a seus anunciantes.

Sempre que imperou sem peias, esse modo de organização causou danos políticos e culturais. O sistema "híbrido" de televisão [na Alemanha] é uma tentativa de remediar o mal.

E as leis locais, as decisões de tribunais federais e os princípios de programação das emissoras públicas refletem a noção de que as mídias eletrônicas não devem satisfazer apenas as necessidades mais comercializáveis dos consumidores.

Ouvintes e espectadores não são apenas consumidores mas também cidadãos com direito à participação cultural, à observação da vida política e à voz na formação de opinião.

Com base nesses direitos, não é o caso de deixar programas voltados a tais necessidades fundamentais da população à mercê da conveniência publicitária ou do apoio de patrocinadores.

Mais ainda, as taxas que financiam esses serviços também não devem variar ao sabor dos orçamentos locais, isto é, da conjuntura econômica – é o que argumentam algumas emissoras num processo contra os governos locais, em trâmite no Supremo Tribunal Federal alemão.

A idéia de uma reserva pública voltada para a mídia eletrônica pode ser interessante.

Mas algo assim poderia servir de modelo para a organização de jornais e revistas "sérios", como o Süddeutsche Zeitung ou o Frankfurter Allgemeine Zeitung, Die Zeit ou Der Spiegel, para não falar das revistas mensais mais ambiciosas?

Efeito políticoO resultado de um estudo sobre fluxos de comunicação pode ter interesse nesse contexto: ao menos no âmbito da comunicação política – ou seja, para o leitor enquanto cidadão –, a imprensa de qualidade desempenha um papel de "liderança": o noticiário político do rádio e da televisão depende em larga escala dos temas e das contribuições provenientes do jornalismo "argumentativo".

Suponhamos que uma dessas redações caia nas mãos de investidores que trabalham com lucros rápidos e prazos curtos: a reestruturação e o enxugamento nesses lugares estratégicos não tardarão a pôr em risco os padrões jornalísticos e a afetar em cheio a vida política.

Pois a comunicação pública perde vitalidade discursiva quando lhe falta informação fundamentada ou discussão vivaz, coisas que não se obtêm sem custos.

A esfera pública não teria mais como opor resistência às tendências populistas e não seria mais capaz de desempenhar funções que lhe cabem no quadro de um Estado democrático de Direito.

Vivemos em sociedades pluralistas. O processo de decisão democrático só pode ultrapassar as cisões profundas entre visões de mundo opostas se houver algum vínculo legitimador aos olhos de todos os cidadãos.

O processo de decisão deve conjugar inclusão (isto é, a participação universal em pé de igualdade) e condução discursiva do conflito de opiniões.

Pois tão-somente a discussão deliberativa fundamenta a suposição de que, no longo prazo, os processos democráticos propiciam resultados mais ou menos racionais.

A formação de opinião por via democrática tem uma dimensão epistêmica, uma vez que envolve a crítica de afirmações e juízos errôneos.

Esse é o papel de uma esfera pública dotada de vitalidade discursiva.

Esse papel se evidencia intuitivamente tão logo se tenha em mente a diferença entre o conflito público de opiniões concorrentes e a divulgação de pesquisas de opinião.

Opiniões que se formam por meio de discussão e polêmica são, a despeito de toda dissonância, filtradas por informações e argumentos, enquanto as pesquisas de opinião apenas invocam opiniões latentes em estado bruto ou inerte.

MediaçãoÉ claro que os fluxos díspares de comunicação numa esfera pública dominada pelos meios de comunicação de massa não permitem o tipo de discussão ou consulta regrada que tem lugar em tribunais ou sessões parlamentares.

Mas isso também não é necessário, pois a esfera pública é apenas um dos elos relevantes: ela faz as vezes de mediação entre discursos e discussões nos foros do Estado, de um lado, e as conversas episódicas ou informais de eleitores potenciais, de outro.

A esfera pública dá sua contribuição à legitimação democrática da ação estatal ao selecionar temas de relevância política, elabora-os polemicamente e os vincula a correntes de opinião divergentes.

Por essa via, a comunicação pública estimula e orienta a formação da opinião e do voto, ao mesmo tempo em que exige transparência e prontidão do sistema político.

Sem o impulso de uma imprensa voltada à formação de opinião, capaz de fornecer informação confiável e comentário preciso, a esfera pública não tem como produzir essa energia.

Quando se trata de gás, eletricidade ou água, o Estado tem a obrigação de prover as necessidades energéticas da população.

Por que não seria igualmente obrigado a prover essa outra espécie de ‘energia’, sem a qual o próprio Estado democrático pode acabar avariado?

O Estado não comete nenhuma "falha sistêmica" quando intervém em casos específicos para tentar preservar esse bem público que é a imprensa de qualidade.

Melhores resultadosO problema é apenas de ordem pragmática: como se alcançam os melhores resultados?

Em certo momento, o governo [do Estado] de Hessen concedeu ao jornal Frankfurter Rundschau um crédito subsidiado – sem sucesso. Mas as subvenções diretas são apenas um dos meios disponíveis.

Outros caminhos são as fundações com participação pública ou a renúncia fiscal para famílias envolvidas no ramo.

Nenhuma dessas soluções está livre de problemas. E ainda é preciso aclimatar a idéia de subvenções a jornais e revistas.

Em termos históricos, a idéia de regular o mercado da imprensa tem alguma coisa de contra-intuitivo. Afinal, o mercado foi outrora o cenário em que idéias subversivas puderam se emancipar da repressão estatal.

Mas o mercado só é capaz de desempenhar essa função se as determinações econômicas não penetrarem nos poros dos conteúdos culturais e políticos dispersos no mercado.

Agora, como antes, a crítica adorniana da indústria cultural constitui o ponto central. A observação cética é indispensável, pois nenhuma democracia pode se dar ao luxo de uma falha de mercado nesse setor.

Fonte: Observatório da Imprensa (Jürgen Habermas).

28 de dezembro de 2010

Por que a mídia não se autoavalia?

Final de ano é tempo de balanços e previsões. Pessoais e institucionais. É momento de parar e refletir sobre o que se fez, identificar erros e acertos, corrigir o que pode ser melhorado, reavaliar caminhos e objetivos, planejar o futuro.

A grande mídia faz avaliações públicas e previsões de e para tudo: de todos os setores do governo, da iniciativa privada, das ONGs, da política, de todas as artes, esportes, religiões, do clima, das tendências... Por óbvio, a grande mídia faz avaliações e previsões internas, como em todas as empresas privadas comerciais que precisam dar conta a acionistas de metas e resultados.

O que a grande mídia não faz são avaliações públicas de si mesma, de seu próprio desempenho, de sua parcialidade, de seus preconceitos, de suas tendências, de suas omissões, de suas escolhas, de seu papel na democracia. O que a grande mídia omite é a avaliação de si mesma como um serviço que, apesar de explorado pela iniciativa privada, não perde sua natureza de serviço público.

Por que será que a mídia, apesar da indiscutível posição de centralidade que ocupa nas sociedades contemporâneas, não pauta o debate sobre seu papel como faz permanentemente em relação a todas as outras instituições na sociedade?

Adaptação do panem et circenses
A explicação da grande mídia será sempre aquela que atribui ao mercado o papel de seu único e supremo avaliador. A grande mídia dirá que é permanentemente avaliada por seus consumidores/leitores/ouvintes/telespectadores e que seu sucesso ou fracasso comercial significa o cumprimento ou não de sua missão e o atendimento ou não das necessidades de seu "público". Se o jornal é comprado por X consumidores é porque satisfaz a eles. E essa é a melhor avaliação que pode existir. Essa é uma das versões da conhecida "teoria do controle remoto": se o consumidor não gosta do que vê, ele pode trocar de canal ou desligar o aparelho de TV.

Como já argumentei em outra oportunidade [ver "Donos da mídia – A falácia dos argumentos"], a "teoria do controle remoto" ignora como se formam, se desenvolvem e se consolidam os hábitos culturais, incluindo aqui o hábito de assistir determinados canais e/ou programas de TV ou de ler determinadas revistas e/ou jornais. Este é um fascinante campo da complexa "sociologia do gosto". Quando se atribui, sem mais, ao mercado o papel de supremo avaliador, reduz-se toda a problemática da comunicação de massa a uma única dimensão – do "consumo" individual – e ignora-se a complexa questão da formação social do gosto e do papel determinante que a própria mídia nela desempenha.

Além disso, o argumento pressupõe um mercado de mídia democratizado, onde estariam representadas a pluralidade e a diversidade da sociedade, o que, por óbvio, não existe. Ignora ainda o fato elementar de que não se pode gostar ou deixar de gostar daquilo que não se conhece ou cujas chances de se conhecer são extremamente reduzidas.

No fundo, trata-se de uma adaptação contemporânea [sem as problematizações levantadas por historiadores como Renata Garraffoni] do panem et circenses romano. Naturalmente, o sacrifício de cristãos, entregues às feras em espetáculos públicos, não torna a prática dos imperadores romanos correta. Dito de outra forma, nem tudo que agrada a parcela importante da população é automaticamente ético e correto.

Omissão graveA transparência que a grande mídia corretamente cobra de outras instituições – públicas e privadas –, ela não pratica em relação a si mesma. Permanecemos em 2010 sendo um país democrático onde sequer existe um cadastro geral com acesso público dos concessionários do serviço de radiodifusão.

A transparência pública aplicada aos grupos dominantes da grande mídia certamente revelaria redes de interesses e compromissos – nem sempre legítimos – dos mais variados tipos, locais e globais. No que se refere à radiodifusão, por exemplo, revelaria os absurdos do "coronelismo eletrônico" enraizado em diferentes esferas do poder público; a propriedade cruzada como prática garantidora de oligopólios e monopólios; a exclusão de muitos e a liberdade de poucos apresentada e defendida em nome dos valores universais da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.

Ainda não será ao final deste ano de 2010 que a grande mídia fará uma avaliação pública de si mesma. Mas, com certeza, esta omissão grave já não passa despercebida para um número cada vez maior de brasileiros.

Fonte: Observatório da Imprensa (Venício A. de Lima).

25 de dezembro de 2010

Regular as comunicações é combater a censura, a privada!

Jonas Valente - para a Revista Caros Amigos
  
"Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaça é uma bobagem, um truque, isso não está em jogo. A liberdade de imprensa significa a liberdade de imprimir, divulgar, de publicar. A essa não deve, não pode e não haverá qualquer tipo de restrição. Isso não significa que não pode haver regulação do setor", a frase fez parte do discurso do ministro da Secom, Franklin Martins, na abertura do seminário Convergência de Mídias, realizado nos dias 9 e 10 de novembro em Brasília.

A sentença reflete uma tentativa quase desesperada do ministro de desconstruir a perversa fábula elaborada pelos meios de comunicação comerciais para interditar o debate sobre o setor das comunicações no Brasil e a necessidade urgente de sua reforma. Ela utiliza a máxima de que uma mentira contada diversas vezes torna-se verdade. No cenário brasileiro, em que os veículos comerciais detêm enorme influência na formação das opiniões e valores da população, essa tese torna-se ainda mais verdadeira.

A fábula perversa
A definição de regras para o setor das comunicações não é novidade em nenhum país do mundo, muito menos no Brasil. O seminário onde o ministro Franklin fez seu discurso evidenciou, com relatos de autoridades internacionais, como são correntes, nas democracias consolidadas, mecanismos para regular o mercado tanto sob a perspectiva econômica quanto política e cultural. Há regras para impedir a concentração dos meios (como a limitação de fusão de duas redes de TV nos Estados Unidos), obrigações para os prestadores de serviços (como o cumprimento dos propósitos de serviço público na radiodifusão no Reino Unido), proteções ao conteúdo nacional (como as contas de filmes na França) e a existência de órgãos com a participação da sociedade (como no caso da Autoridade de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina).

No Brasil, se uma pessoa tomar contato com matérias dos meios de comunicação comerciais, vai pensar que nosso Estado é proibido de se aproximar da mídia e que o processo atual consiste, exatamente, na tentativa de quebrar esse distanciamento. O que não condiz com a verdade. Em nosso país, para explorar uma rádio ou uma TV, ou fornecer telefonia aos cidadãos, é preciso ter autorização do Estado. No primeiro caso, a transmissão é feita, inclusive, utilizando um bem público, o espectro de radiofrequências.

Não só há regras gerais, como há, inclusive, normas e exigências para os conteúdos. Isso mesmo! No Brasil, já há regulação do que é difundido pelos meios de comunicação. TVs não podem veicular mais do que 25% de publicidade nem menos do que 5% de conteúdo jornalístico. Rádios são obrigadas a veicular a Hora do Brasil. TVs e rádios devem também inserir compulsoriamente em sua grade o horário eleitoral gratuito. Os jornais, talvez os mais raivosos na suposta defesa da liberdade de imprensa, também têm obrigações, mesmo que mais leves: todos precisam ter um jornalista responsável e estão sujeitos a processos por abusos, como é o caso do direito de resposta.

Mas então, perguntaria alguém intrigado com as matérias: se a regulação já existe, estaria alguém tentando transformá-la, de fato, em uma tentativa de cerceamento da liberdade de imprensa? Me faço a mesma pergunta, pois até agora não vi qualquer proposta que advogasse a favor do controle prévio do que pode ou não ser publicado. Nem encontrei qualquer menção a uma sugestão dessa em qualquer matéria dos “defensores da liberdade de expressão”.

Os interesses por trás
O que seria, então, o tal ataque à liberdade de imprensa? Ele é a forma mascarada de taxar um debate utilizando uma ameaça irracional para esconder que o movimento, ao fim e ao cabo, pode ferir os interesses econômicos e políticos dos grupos que sempre comandaram a comunicação no país.

No plano econômico, as propostas de limitação da concentração de propriedade e de ampliação da pluralidade e diversidade podem reduzir a rentabilidade das grandes redes, que dependem de uma estrutura vertical para lutar por grandes anunciantes, e se configurar como um limitador às estratégias de fusões e aquisições empregada hoje pelos operadores de telecomunicações. As cotas de produção (nacional e regional) são vistas como custos extras, o que também atrapalha o negócio.

No plano político, os veículos de comunicação sempre se orgulharam e moldaram sua sobrevivência e ampliação na sua capacidade de interferir nas disputas de poder, na elevação e destruição das reputações dos mais variados políticos. Esse papel não é apenas de apoio ou de suporte a um ou outro candidato, mas envolve o uso direto dos meios de comunicação para garantir a eleição de uma determinada liderança. Não à toa, há casos de diversos grupos regionais que são controlados por elites políticas, como é o caso do Mirante de José Sarney no Maranhão, da RBA de Jader Barbalho, no Pará, da TV Bahia da família Magalhães, na Bahia, e do Grupo Massa, da família de Ratinho Júnior, no Paraná.

Um exemplo claro desse poder é a célebre frase proferida por Tancredo Neves em uma conversa com Ulysses Guimarães: “Ulysses, eu brigo com todo mundo, eu brigo com o papa, eu brigo com o PMDB, eu só não brigo com o doutor Roberto [Marinho]”. A entrada de novos agentes no rádio e na TV, a ampliação do acesso à Internet e o estabelecimento de limites aos abusos cometidos pelos meios são vistos como um obstáculo claro à terra sem lei que serve como terreno fértil à reprodução da ação política intensiva dos grupos de mídia. O novo marco, portanto, ameaça o poder dos grandes grupos de controlar a informação que é difundida, uma espécie de censura, não estatal, mas privada.

Por que e para quê regular
Perdeu-se (ou ganhou-se) espaço e tempo desfazendo a confusão propositada. Mas se por um lado foi um esforço que faz-se necessário para que o debate seja desinterditado na sociedade, por outro é preciso ir além e discutir qual regulação se quer.

Um bom começo é identificar os problemas que precisam ser resolvidos. Algumas dessas questões são bem lembradas pelo ministro Franklin Martins: “Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém. Todos sabemos, por exemplo, que deputados e senadores não podem ter concessões de rádio e TV. Mas todos sabemos que eles tem, através de subterfúgios, e ninguém faz nada”.

O faroeste midiático brasileiro favoreceu um sistema excessivamente comercial, em detrimento dos meios públicos e comunitários. Com isso, importantes espaços de formação de valores e opiniões acabam regidos pelo lucro, e não pelos direitos humanos e pelo(s) interesse(s) da população. A organização do mercado é oligopolista e verticalizada, com predomínio de poucos grupos e a repetição de uma produção do eixo Rio-São Paulo em detrimento dos conteúdos regionais.

A essas emissoras e aos demais operadores faltam obrigações para assegurar o interesse da população e garantias mínimas aos consumidores. As existentes são desrespeitadas, como os preceitos constitucionais que determinam o atendimento, por rádios e Tvs, das finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em sua programação e a promoção da produção independente e regionalizada. Já os serviços de telecomunicações são excludentes. A telefonia fixa ainda hoje mantém a injustificada assinatura básica. A celular se ampliou mas mais de 80% são pré-pagos e a tarifa está entre as mais altas do mundo. Já a banda larga é “cara e lenta”, nos dizeres do coordenador do Comitê Gestor de Inclusão Digital do governo federal, César Alvarez.

É essa a paisagem que queremos manter na nossa comunicação? Me junto àqueles que discordam e veem a necessidade de uma grande reforma neste modelo. Em vez da premência do lucro, a concepção por trás da nova legislação deve ser o entendimento da comunicação como um direito humano. Não apenas dos donos de empresas de comunicação, mas do conjunto da população.

Partido dessas premissas e dos problemas identificados, seguem alguns desafios que o novo marco regulatório. Em primeiro lugar, é preciso respeitar o Artigo 223 da Constituição Federal e assegurar a complemetaridade de fato entre os sistemas público, privado e estatal, fortalecendo a Empresa Brasil de Comunicação e as demais estruturas de mídia mantidas pelo Estado com ampla participação e financiamento robusto. O mesmo vale para as emissoras comunitárias. Em segundo lugar, faz-se necessária normas que impeçam a propriedade cruzada dos meios de comunicação (controlar uma TV e uma rádio, por exemplo), o que vale para a cadeia produtiva neste cenário de convergência. Este modelo, que separa a produção de conteúdo da distribuição é adotado em vários países e incentiva a pluralidade.

Em terceiro lugar, o novo marco não pode se furtar de enfrentar o debate sobre as obrigações dos licenciados. Desde aquelas administrativas até as relativas ao conteúdo, incluindo cotas de produção nacional, regional e independente e o respeito e promoção dos direitos humanos. Em quarto lugar, criar as condições para que a população tenha acesso aos serviços de comunicação, especialmente à Internet em banda larga. Por último, o modelo só responderá aos interesses da população se tiver uma estrutura institucional que abra fortes espaços de participação, como conselhos.

A tarefa não é fácil, mas é urgente. "Com toda sinceridade, acho que o governo Lula ficou devendo nessa área [da comunicação]", admitiu o ministro Franklin Martins em um seminário em São Paulo no final de novembro. Cabe agora ao governo Dilma reconhecer o passivo e colocar o tema de fato na agenda para tenhamos um novo modelo de fato democrático.


Jonas Valente é integrante do Coletivo Intervozes e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal

23 de dezembro de 2010

Regulação de conteúdos na internet deve ficar fora de projeto de marco regulatório

As questões relativas aos direitos e deveres dos usuários na internet não devem mesmo ser alvo da proposta de novo marco regulatório que o governo está finalizando. O provável é que isso seja feito paralelamente, por meio de projetos que correm no Congresso Nacional e principalmente pelo projeto de marco civil que também está sendo coordenado pelo Executivo.

Tal intenção ficou mais clara em audiência pública realizada no Senado Federal nesta quinta-feira (16). O ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo, Franklin Martins, afirmou que não se pretende regular a internet no que diz respeito ao seu uso individual. No entanto, devem ser propostas medidas que regulem a infraestrutura da rede.


A decisão do governo pode ter partido da dificuldade de estabelecer parâmetros de uso da internet. No seminário internacional sobre convergência de mídia realizado pelo governo em novembro deste ano notou-se que mesmo os países que possuem um sistema de regulação mais avançado que o nosso têm dificuldades de aplicar leis sobre os conteúdos na rede.

Essa dificuldade de lidar com a internet também foi ressaltada pelo professor Murilo Ramos, da Universidade de Brasília. “A internet não está madura para ser tratada pelo ponto de vista normativo”, entende. Para ele, pode ser melhor que o tema seja tratado fora da proposta do novo marco regulatório, já que os conflitos naturais que surgem nessa discussão podem trazer mais obstáculos a construção do projeto.

Interesses

No entanto, os representantes dos radiodifusores, dos jornais e de empresas de telecomunicações presentes na audiência deixaram claro que têm fortes interesses em uma regulação a curto prazo da internet. “Nosso fantasma é o debate sobre internet”, disse Paulo Tonet, conselheiro da Associação Nacional de Jornais (ANJ), em alusão a metáfora frequentemente usada por Franklin Martins. Um dos pontos centrais para a ANJ é a necessidade de aumentar a rigidez no controle dos direitos autorais sobre os conteúdos jornalísticos.

Já a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) voltou a defender a aplicação do Artigo 222 (que limita o controle de capital estrangeiro na mídia brasileira) para os portais jornalísticos na internet. Um dos principais alvos da Abert, que representa a Globo, o SBT e a Record, é o site Terra, que pertence à espanhola Telefônica. Apesar do discurso da Associação da importância da proteção ao conteúdo nacional, é evidente a preocupação econômica que move essa disputa.

As teles, representadas na ocasião pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), tem um interesse imediato em produzir conteúdos e disputar o mercado de TV a cabo. Essa segunda reivindicação provavelmente será atendida já com a aprovação do PLC 116/2010 (ex-PL 29), que será votado em 2011, no Senado.

Essas discussões feitas na audiência, porém, ainda ficaram no campo abstrato. Nada sobre a proposta do novo marco regulatório foi adiantada pelo ministro Franklin Martins. Segundo ele, o intuito é não causar constrangimentos a presidente Dilma e deixá-la mais tranquila para avaliar o projeto com sua equipe. O ministro afirmou também que o projeto não será encaminhado em regime de urgência e que deve haver um pacto social em torno dele.

O ministro aproveitou para, mais uma vez, criticar alguns grupos privados que tem acusado o governo de querer censurar a mídia com o projeto de marco regulatório. “Estão querendo driblar o debate”, afirmou. Franklin, que será substituído pela jornalista e ex-diretora da TV Brasil Helena Chagas, teve a responsabilidade de capitanear esse projeto no fim do governo. “Se alguém tem que apanhar, eu apanho. Não tem problema”, brincou. A tendência é que no governo Dilma o projeto seja abraçado pelo Ministério das Comunicações, que pela primeira vez é ocupado por um petista. No caso, o bancário e ex-ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo.


22 de dezembro de 2010

As regras para transmissão de jogos

Uma decisão judicial importante acabou sendo deixada um pouco de lado nos últimos meses. Graças às discussões sobre a atuação da mídia nas eleições deste ano e os focos de discussão sobre regulamentação midiática, uma ação que envolve duas das maiores paixões do brasileiro, o futebol e a televisão, acabou passando quase despercebida por quem se interessa por ambos os assuntos.

Em setembro de 2010 foi noticiado o pedido de vistas pelo Ministério Público Federal, através do Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade), quanto a um possível cartel entre Rede Globo e Clube dos Treze em relação aos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, que não abriria espaços para a entrada de outras emissoras além daquelas permitidas pela Globo para transmitir o evento. Além disso, as restrições impostas, dentre as quais de não mostrar jogo de forma exclusiva, fato que fez com que a Record não continuasse a transmitir o torneio após 2007 e virasse mais um elemento para a briga corrente entre as emissoras, entrou como alvo da ação.

A verdade é que a Globo ainda possui poderes de mercado excessivos, sobrepostos aos das demais redes, com as vantagens de precedência que se traduzem em adesão ao telespectador, força política e relação privilegiada com agências de publicidade e anunciantes. Esses poderes – assimétricos por excelência – resultam não só de concentração, apresentando consequências tecnológicas, produtivas, comerciais e distributivas (BRITTOS, 2008, p. 159-160).

A decisão sobre a questão foi proferida pelo Cade no final de outubro e ela extinguiu o direito de preferência da Rede Globo na negociação dos direitos de TV do Campeonato Brasileiro (a partir de 2012) e a negociação separada por mídias (TV aberta, TV por assinatura, pay per view, internet e celular). Tal decisão pode configurar uma alteração na estrutura atual de gestão do futebol brasileiro, mesmo que ainda permaneça a possibilidade de quem vencer o processo licitatório manter a estrutura monopólica dos direitos de transmissão – motivo que fez com que o presidente do plenário do Cade, Artur Badin, fosse o único a não homologar a decisão.

Garantia de boa parte das rendasAinda assim, enfrentar um conglomerado como o formado pelas Organizações Globo é complicado num país como o Brasil, por o mesmo atuar sob as mais diversas frentes: o jornal fundador do grupo midiático, O Globo; passa pela rádio AM – e hoje se configura na parceria da Rádio Globo com a rádio CBN para a transmissão futebolística; além da transmissão dos sites, com vídeos dos melhores momentos, mas com a transmissão ao vivo para quem tem a conta do portal cujo conteúdo é controlado pelo grupo. Além disso, o controle das organizações também possui a exclusividade na TV fechada, com os canais SporTV e Premier Futebol Clube; além do controle das vendas de pay per view.

Este cenário representado acima demonstra que a multiplicação das ofertas culturais, fase atual do sistema capitalista no campo da produção de bens simbólicos, não se aplica como forma de multiplicidade de discursos a serem oferecidos, já que oligopólios podem ser formados para manter no menor número de grupos midiáticos a tutela da produção de bens simbólicos que, no caso da Globo, refletem a preparação da mídia televisiva para o confronto com outras mídias.

Tal decisão só será discutida, na prática, a partir do ano que vem, quando serão definidos os processos para transmissão dos torneios nacionais a partir de 2012 e o Clube dos Treze, representante dos clubes de maiores torcidas do Brasil, mostrar se cumprirá a ação ou vai criar alguma ferramenta para manter a emissora da família Marinho no comando do futebol brasileiro.

Vale lembrar que, com a situação atual, a maior rede de comunicação do país consegue ter o controle total sobre as ações de um evento de importante relevância para a população brasileira. Para a maioria dos clubes, é o direito de transmissão (acoplado com o valor de vendas do pay-per-view) que garante boa parte de suas rendas e, quando necessário, a antecipação de verbas para o pagamento de dívidas frequentes nos, em sua maioria, mal administrados times de futebol.


Referência bibliográfica:
BRITTOS, Valério Cruz. Políticas de comunicação, videodifusão e democracia no Brasil. In: BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. (org.). Comunicação, Educação, Economia e Sociedade no Brasil: Desenvolvimento histórico, estrutura atual e os desafios do século XXI. São Cristovão: Editora UFS, 2008. (Biblioteca Eptic; 5).


Fonte: Anderson Santos (Cepcom-Comulti).
*Publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

20 de dezembro de 2010

Nova ação para regulamentação da Constituição é protocolada na Justiça

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade (Contcop) registrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 11) que, se aprovada, exigirá do Congresso Nacional a regulamentação de dispositivos constitucionais referentes à comunicação. A Ação foi protocolada no Supremo em 10 de dezembro e neste mesmo dia distribuída à ministra Ellen Gracie. O advogado da ADO 11 é o professor e jurista Fábio Konder Comparato.

Trata-se, na realidade, da mesma Ação que foi ajuizada em outubro deste ano pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Federação dos Radialistas (Fitert). Esta, procolada como ADO 9, não havia sido aceita pela ministra Ellen Gracie, que alegou que as organizações citadas não poderiam ser as proponentes deste tipo de recurso jurídico. Os advogados da Ação, Fábio Konder Comparato e Georghio Tomelin, entraram com um recurso pedindo revisão da decisão de Ellen Gracie. A ministra então solicitou um parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), que ainda não se manifestou sobre o assunto.

O advogado Fábio Comparato, no entanto, não quis esperar o resultado do parecer da PGR e buscou outras maneiras de ter a Ação julgada pelo STF, mudando seus proponentes. Primeiro, Comparato tentou o Partido Socialismo e Liberdade (Psol). O partido também foi julgado impossibilitado de apresentar a Ação pelo STF por estar sem presidente formal na época.

Agora a nova tentativa é com a Contcop, já que, segundo entendimento da ministra Ellen Gracie, “apenas estão aptas a deflagrar o controle concentrado de constitucionalidade as entidades de terceiro grau, ou seja, as confederações sindicais, excluindo-se, portanto, os sindicatos e as federações, ainda que possuam abrangência nacional”. Com isso, espera-se que o STF finalmente aceite a Ação e discuta seu mérito.

A ADO 11 busca a regulamentação de três pontos essenciais: a garantia do direito de resposta a qualquer pessoa ofendida através dos meios de comunicação de massa; a proibição do monopólio e do oligopólio no setor; e o cumprimento, pelas emissoras de rádio e TV, da obrigação constitucional de dar preferência a programação de conteúdo informativo, educativo e artístico, além de priorizar finalidades culturais nacionais e regionais. Veja mais sobre o conteúdo da Ação.


19 de dezembro de 2010

Proposta aproveita conceitos já discutidos

Nos últimos 12 anos, as várias propostas de revisão do marco legal para as comunicações tiveram dois elementos em comum: foram interrompidas precocemente e criticadas pesadamente pelos grupos de comunicação. Foi assim com as minutas de Lei de Comunicação de Massa elaboradas ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1998 e em 2001, passando pela proposta de Ancinav elaborada sob a batuta do ex-ministro tucano Pedro Parente, também em 2001 (e que deu origem à MP 2.228/2001, que criou a Ancine), depois pelo projeto da Ancinav conduzido pelo ministro Gilberto Gil, em 2004. Nos próximos dias deve ser concluída mais uma proposta de texto para discussão: o anteprojeto a ser deixado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), comandada por Franklin Martins, para a presidente eleita Dilma Rousseff e o futuro ministro das Comunicações Paulo Bernardo.

As minutas que existem do texto são reservadas e ainda não estão circulando. Apenas algumas pessoas que participaram do grupo de trabalho para a elaboração da primeira proposta foram chamadas a ler o texto, sempre reservadamente. Mas tanta reserva e cuidado não indica, contudo, que o texto será mais duro ou mais intervencionista do que qualquer uma das propostas já discutidas – pelo contrário. A diferença é que o texto que está sendo elaborado pela Secom é mais amplo, e cobre o espectro das telecomunicações à comunicação social, conforme apurou este noticiário, além de ter sido construído em cima de discussões já realizadas.


Propostas conhecidas

O anteprojeto incorpora uma série de tópicos já previstos em outros projetos de lei. Um deles é resgatar o papel de outorga do Ministério das Comunicações (Minicom). Essa ideia já está no Projeto das Agências, que tramita no Congresso desde 2004 (PL 3.337/04). Isso fará com que o Minicom volte a ter um papel importante na outorga de serviços de telecomunicações, podendo delegar à Anatel o papel de outorga em casos de menor implicação, como licenças de serviços privados. Nessa estrutura, fica garantido que o Minicom seguirá sendo o órgão responsável pelas outorgas de radiodifusão, com aprovação do Congresso Nacional, como é hoje. Mas o rito técnico poderia ser feito pela agência.

Outro aspecto é a correção das regras do Fust, também já prevista no projeto da nova Lei do Fust (PL 1481/07), para permitir a destinação dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações a empresas prestadoras de serviços privados, como banda larga.

O PLC 116/2010 (que tramita no Senado e cria novas regras para a TV por assinatura e para o audiovisual) está sendo aproveitado integralmente no anteprojeto da Lei de Comunicação Eletrônica da Secom. Com isso, o texto dá um tratamento amplo ao mercado de TV por assinatura e também equaliza conceitos que hoje estão dispersos e que são muitas vezes conflitantes nas legislações de TV paga, telecomunicações e audiovisual. De uma certa forma, o texto proposto cria uma espécie de Código de Comunicações, agregando diferentes leis e harmonizando conceitos criados em épocas distintas.

Propostas importantes previstas no PLC 116/2010, como a separação de espaços de atuação para grupos de telecomunicações e grupos de comunicação, seriam mantidas, pois há o entendimento de que essas divisões foram fruto de consensos do mercado.

Já conceitos de cotas de programação nacional e independente, tratados no âmbito da TV por assinatura no PLC 116, seriam aplicados também à TV aberta, conforme pede a Constituição.


Duas agências

A proposta que está sendo discutida prevê duas agências sob o Ministério das Comunicações. Uma é a Anatel, que teria algumas funções ampliadas na área de análise técnica do mercado de radiodifusão. A outra é a ANC (Agência Nacional de Comunicação), que daria lugar à Ancine.

A mudança da Ancine para a ANC começa com a transferência da função fomentadora da Ancine para um órgão específico do Ministério da Cultura. Depois disso, já como ANC, ela passaria a ter função de regulação do mercado de conteúdo, visto como um mercado econômico. Isso significa atuação para regular o mercado, instruir o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e fiscalizar questões relacionadas a conteúdos.

As questões de radiodifusão referentes a conteúdos seriam tratadas pela ANC, e as referentes à rede ficariam com a Anatel. Mas intervenções mais amplas, como o controle das relações de afiliação, por exemplo, não estão previstas, e tampouco há qualquer tipo de restrição à propriedade cruzada. O aspecto tido como mais polêmico é a restrição de que políticos possam controlar empresas de radiodifusão.

Fonte: Observatório da Imprensa (Samuel Possebon).

16 de dezembro de 2010

Quem é o dono da Rede Record

Com a mesma isenção e imparcialidade com que há 10 anos a Tribuna da Imprensa acompanha a tramitação da Ação Declaratória de Inexistência de Ato Jurídico, que herdeiros dos antigos acionistas da ex-Rádio Televisão Paulista S/A movem contra a família Marinho, seguimos também o lento caminhar da Ação Civil Pública proposta pela Procuradoria da República em São Paulo contra a Rede Record de Televisão, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e o bispo empresário Edir Macedo, com julgamento previsto para o dia 12 de janeiro de 2011.

No caso da TV Paulista (hoje, TV Globo de São Paulo), restou a triste conclusão de que o negócio foi consumado com documentos anacrônicos, falsos, ilegais, porém validados por conta da prescrição do tempo: ou seja, Roberto Marinho se apossou de 48% do capital social inicial de 673 acionistas minoritários por apenas Cr$ 14.285,00 e pelos outros 52% despendeu apenas 35 dólares, já que Victor Costa Junior, a quem pagou CR$ 3.750.000.000,00 nunca foi acionista daquela emissora. Esse processo ainda depende de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Informa-se que o advogado que cuida desse processo principal acaba de ser contratado para propor, via ação popular, a cassação da concessão da ex-Rádio TV Paulista por conta dos vícios que pontuaram a transferência da outorga para seus atuais controladores e sobretudo porque o processo administrativo existente na Administração Federal não contém documento algum que justifique tal controle.

Ciente e de acordo Quanto à compra da TV Record por Edir Macedo, o Ministério Público Federal avalia que ela foi ilegal e é inconstitucional. A venda (que o empresário Silvio Santos fez a Edir Macedo e à sua esposa) da TV Record de São Paulo, hoje a segunda maior rede de televisão do país e com faturamento anual batendo na casa dos 3 bilhões de reais, não teve prévia aprovação das autoridades federais e pode ter sido produto de simulação.

Segundo consta dos autos, o bispo Edir Macedo usou dezenas de milhões de reais da igreja que dirige para concretizar a aquisição. Esses vultosos recursos (doações de milhões de evangélicos) teriam sido "emprestados" pela IURD para que o bispo Edir Macedo pudesse comprar a poderosa rede de TV, e na qual o mesmo bispo-empresário já investiu várias centenas de milhões de reais. A Rede de Televisão e Rádio Record, sem dívida alguma, é hoje avaliada em cerca de 3 bilhões de dólares e, ao que se comenta, teria liquidez maior do que a da emissora líder em audiência.

A Procuradoria da República questiona a compra da emissora porque Edir Macedo, como cidadão, em 1990 comprovadamente não teria bens e recursos para participar dessa vultosa transação e que, por isso, estaria implementando uma aquisição ilegal, dissimulada. A verdadeira compradora da empresa de comunicação seria a pessoa jurídica denominada Igreja Universal do Reino de Deus, o que fere flagrantemente a Constituição Federal.

Nos autos do processo, que tem cerca de 2.500 páginas, e cuja relatora, a desembargadora Salette Nascimento, foi substituída pelo juiz convocado José Eduardo Leonel Junior, indaga-se como foi possível o bispo Edir Macedo, sem patrimônio algum, sem renda mensal (já que sabidamente trabalha por amor ao próximo e a Deus), da noite para o dia ter se transformado no segundo maior proprietário de rede de televisão do país, com o ciente e o de acordo do Ministério das Comunicações, que tem a obrigação de fiscalizar esse importante setor de prestação de serviço público de radiodifusão de som e de imagem?

Os réus No caso da TV Record, é de se lamentar que um processo dessa importância tivesse permanecido por mais de 10 anos, no TRF-3ª. Região, sem solução alguma e, por certo, em "prejuízo" dos novos donos da Rede Record de Televisão, que permaneceram tão longo período sob constrangimento judicial. É uma preocupação a mais para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encarar e resolver.

Nesse processo são réus também Ester Eunice Bezerra, esposa de Edir Macedo, o senador Marcelo Crivella, Sylvia Crivella, TV Record de Rio Preto S/A, TV Record de Franca S/A e Rádio Record S/A (Canal 7 de São Paulo) e outros.

Fonte: Observatório da Imprensa (Carlos Newton).

15 de dezembro de 2010

Telecompras e religião chegaram a 25% da programação da TV aberta em 2009

Um estudo produzido pelo Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual – órgão vinculado à Agência Nacional de Cinema (Ancine) - referente a programação da TV aberta brasileira de 2009 demonstrou que quase ¼ do tempo total dos conteúdos exibidos são de programas religiosos ou de telecompras.

A CNT é líder na veiculação de programas religiosos. A sua grade incluiu no ano passado nada menos que 30,8% de programas deste gênero. Em seguida surgem no ranking a Rede TV! (23,7%), Band (15,9%) e Record (15,7%). Segundo os dados, a TV Brasil tem mais programas religiosos (1,1%) do que a TV Globo (0,4%), TV Cultura (0,4%) e SBT, que não tem nenhum conteúdo desse tipo. A pesquisa não revela a quais religiões pertencem os programas pesquisados.

A pesquisa foi construída por meio das informações contidas nos sites das emissoras pesquisadas (Band, CNT, Globo, SBT, Record, Rede TV!, TV Cultura, TV Brasil, TV Gazeta). Como não foram analisadas as programações das emissoras afiliadas nos estados, é possível que o percentual de conteúdos religosos e de compras seja ainda maior. Os dados deste ano devem sair em 2011 apenas.

A alta quantidade de programação religiosa na mídia levanta polêmica. Não há um impeditivo legal, por exemplo, em relação a índices aceitáveis desse tipo de conteúdo no rádio e na TV. No entanto, existem alguns dispositivos legais que contribuem para um entendimento contrário ao que vem ocorrendo.

Um deles está explícito no Artigo 221 da Constituição Federal. Um de seus incisos afirma que a produção e a programação das emissoras de rádio e TV deverão dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Outra lei constitucional sobre o assunto é o Artigo 19. Segundo ele, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

No entanto, o proselitismo propriamente dito só é expressamente citado na legislação de comunição no § 1º do artigo 4º da Lei 9.612/1998, que proíbe tal prática – seja ela religiosa ou de outra natureza - nas rádios comunitárias.

O tema virou polêmica recente dentro da TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A partir de reclamações de telespectadores, o Conselho Curador resolveu ouvir a sociedade por meio de uma consulta pública sobre o assunto. Atualmente, ela exibe três programas religiosos, um evangélico e dois católicos.

A questão ficou de ser decidida no ano que vem. No entanto, o Conselho já emitiu parecer favorável a retirada desses programas do ar. No lugar, seria produzido um – ou mais – programa que falariam das questões religiosas, sem proselitismo. Segundo o Conselho, a manutenção dos programas do jeito que estão constituem “um injustificado tratamento a religiões particulares, por mais importantes que sejam, por maior respeito que mereçam”.

Embora não tenha sido objeto da pesquisa, é notório que, além da falta de diversidade de conteúdos na grade das emissoras, o método que muitos desses programas usam para conseguirem espaço desrespeita a lei. Com a subserviência do Estado, os concessionários das empresas de TV praticamente arrendam espaços em suas programações.

Esse aluguel de espaço nas programações é considerado ilegal por especialistas e militantes da área. A Constituição é clara em dizer que cabe apenas ao Estado o poder de outorgar concessões de rádio e TV. É o que não ocorre nesses casos, onde as emissoras acabam por decidir quais empresas ou organizações podem acessar parte do tempo do canal cuja exploração foi permitida apenas a elas e não a terceiros.

Os supermercados eletrônicos

O arrendamento também ocorre por parte dos programas de telecompras. Nesse quesito nenhuma emissora supera a TV Gazeta, de São Paulo. Em 2009, mais da metade de sua programação (55%) foi de anúncios dos mais variados produtos. Em segundo lugar está a CNT, com 27%, e em terceiro, a Rede TV!, com 9,5%. Foram os três maiores “supermercados eletrônicos” da TV brasileira no ano passado.

A Band também aparece nesse quadro (8,2%) enquanto as outras não apresentam esse tipo de conteúdo. Vale lembrar que a pesquisa não contou os intervalos comerciais das programações.

No Brasil, existe uma proibição legal - presente no Regulamento de Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795/63) - de que as emissoras de rádio e TV ultrapassem o limite de 25% de publicidade em sua programação diária. Embora sejam claramente anúncios publicitários, o Ministério das Comunicações (Minicom) não tem esse entendimento. Logo, as emissoras não sofrem punição alguma pela veiculação dos programas de telecompras – ou infocomerciais.

A CNT é a emissora que ocupa mais tempo de sua grade com programas religiosos e de televendas (ver Enquanto faltam canais para uns, sobram para outros). São 64% do seu tempo com esses dois tipos de conteúdo. TV Gazeta (58,8%), Rede TV! (38,6%), Band (28%) e Record (21,5%) vem na sequencia. O SBT foi a única emissora que, de acordo com a pesquisa, não exibiu nenhum programa desses gêneros em 2009. 

14 de dezembro de 2010

Proposta para novo marco regulatório traz medidas democratizantes, mas é tímida e genérica

O texto que o atual ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, vai entregar para o novo governo como base para o novo marco regulatório nas comunicações traz medidas de democratização dos serviços, mas está longe de justificar as reações veementes dos empresários. Da maneira como se encontra, o anteprojeto é tímido em relação a pontos chave como medidas anticoncentração e regulação de conteúdo. O material que foi produzido até agora dá as linhas gerais para a organização do setor, mas não traz definições detalhadas sobre a maioria das questões abordadas, deixando-as para regulamentação infralegal e ações administrativas.

Embora se proponha a tratar a comunicação sob a ótica da convergência, o que o texto faz na prática é trazer a radiodifusão para o novo contexto, sem aplicar uma perspectiva que supere a divisão com as telecomunicações. O texto não propõe alterações na Constituição nem mudanças significativas na Lei Geral de Telecomunicações. Se mantido como está, funcionará como uma lei de transição, mas não como uma definitiva atualização para o mundo digital.

Concentração e conteúdo

O projeto não determina reserva de espectro para os setores público, privado e estatal nem estabelece limites claros à propriedade cruzada. Mesmo em relação à concentração horizontal, o projeto também não traz limites numéricos, deixando as definições para regulamentação infralegal. O que o texto propõe são mecanismos para dar mais transparência à questão da regulação econômica.

Em relação à regulação de conteúdo, o projeto aborda a proteção de crianças e adolescentes e de minorias e setores vulneráveis, além de delimitar com mais clareza aspectos ligados à publicidade. Embora criticada por empresários brasileiros, a regulação dessas questões é comum em todas as democracias avançadas.

Em alguns países, como o Reino Unido, vai-se além, e são estabelecidas obrigações de imparcialidade e de oferta de uma pluralidade de visões na cobertura jornalística, questões das quais a proposta brasileira passa longe. Se mantida como está, a regulação de conteúdo no Brasil será tímida, bastante leve se comparada ao que adotam países como Portugal, França, Alemanha e Reino Unido.

Boas novas são as mudanças nas regras para concessões de rádio e televisão, que estabelecem audiências públicas locais no processo de renovação e impedem políticos com mandato eletivo de serem donos de empresas concessionárias. A regulação neste campo será ajudada por um capítulo de definições que impede as dezenas de interpretações existentes hoje por conta de conceitos pouco claros da lei.

Modelo europeu

De modo geral, o projeto segue a linha de diretivas da União Europeia, que determina que a regulação deva ser inversamente proporcional ao poder de escolha do usuário. Ou seja, quanto mais 'pronta' é oferecida a programação, maiores devem ser as obrigações regulatórias. Na Europa, isso faz com que a radiodifusão tenha uma regulação mais estrita que serviços por catálogo ou vídeo on demand na internet, por exemplo. No caso brasileiro, o texto já leva em conta as discussões do PLC 116, projeto de lei que aborda a convergência das telecomunicações com a TV por assinatura e que está pronto para aprovação no Senado.

O texto elaborado estabelece três modalidades de serviço. Os serviços audiovisuais lineares, inclusive de radiodifusão, se agrupam como comunicações sociais eletrônicas, como previsto no artigo 222 da Constituição. Sob a égide de comunicações eletrônicas ficam vários dos serviços organizados hoje sob o guarda-chuva das telecomunicações. E há ainda uma modalidade de serviços relacionados à internet.

Ainda que o anteprojeto deixe parte das definições para regulamentação posterior, o grupo elaborador avançou no sentido de identificar medidas que permitam alterações em procedimentos administrativos nos diversos órgãos que possuem atribuições sobre as comunicações. O objetivo é resolver problemas crônicos do setor de radiodifusão, sobre o qual até hoje o Estado não possui capacidade de enforcement adequada nem coleta periódica de indicadores setoriais.

Agência e Conselho

Do ponto de vista da arquitetura institucional, o projeto prevê a criação da Agência Nacional de Comunicações, com poder para regular a prestação de serviço de televisão aberta, por assinatura e cinema, cuidando dos aspectos de programação, distribuição e exibição. Hoje o setor tem poucas regras em relação a este aspecto, e mesmo as existentes não são fiscalizadas permanentemente pelo Ministério das Comunicações.

No formato proposto, a nova agência ficaria vinculada ao Ministério das Comunicações, e poderia deixar de cuidar das questões de fomento do setor audiovisual. Dependendo da avaliação do futuro titular da pasta da Cultura, essas funções poderiam ser assimiladas pelo Ministério da Cultural, que já foi responsável pelo fomento antes da formação da Ancine.

O projeto traz também a previsão de um Conselho ligado ao Executivo, com participação dos diferentes setores da sociedade civil, que tenha o papel de auxiliar no planejamento do setor, estabelecendo um plano nacional de comunicação. Segundo a proposta, o próprio marco regulatório teria mecanismos de revisão periódica para se manter atualizado.

O texto traz ainda propostas do GT que estudou a comunicação pública e traçou definições que vinculam o caráter público da radiodifusão às modalidades de gestão e de financiamento. O formato em que a proposta será entregue para o novo governo – se um texto de contribuições ou um anteprojeto de lei – ainda não foi definido, mas é certo que a responsabilidade pelo encaminhamento das questões ficará com o Ministério das Comunicações, que será dirigido por Paulo Bernardo.

12 de dezembro de 2010

O balanço dos governos Lula*

Este texto pretende fazer um breve balanço crítico da política de comunicações ao longo dos oito anos de governo Lula (2003-2010), sobretudo no que se refere ao serviço público de radiodifusão. Obedecendo aos eixos temáticos definidos pela Fundação Friedrich Ebert, trata dos principais condicionantes estruturais do pluralismo e da diversidade – estrutura legal, concentração da propriedade e fontes de financiamento –, além de descrever avanços, derrotas e recuos na política de comunicações, e de identificar tendências do contexto e das estratégias de disputa em torno da regulação do setor.

1. Estrutura do sistema de meios de comunicação
1.1 Marco Regulatório
"Trusteeship model – A primeira característica "moderna" da mídia brasileira é que o Estado fez uma opção – ainda na década de 1930– por um modelo de exploração da radiodifusão que privilegia a atividade privada comercial. Poderia ter sido de outra forma. Para ficar com o exemplo clássico, na mesma época, a Inglaterra fazia a opção oposta, isto é, privilegiou o próprio Estado como operador e executor da atividade de radiodifusão. Mas, no que se refere ao rádio e a televisão, adotamos o modelo que tem origem nos Estados Unidos. É mais ou menos uma curadoria: compete à União a exploração de um serviço que o delega para administração e operação de terceiros.

O rádio e a televisão são, em sua maioria, outorgas do Poder Público para a iniciativa privada. O prazo de vigência para as concessões de rádio é de 10 anos e de televisão, 15 anos. Na prática elas se transformam em propriedade privada, já que a não renovação ou o cancelamento de uma concessão são situações praticamente impossíveis do ponto de vista legal. Desde quando o rádio foi introduzido no Brasil, e foi regulado pelo Estado, optou-se por privilegiar esse modelo de curadoria. Não foi uma opção que contou com a participação popular. Ao contrário, foi uma decisão de gabinete, sem que houvesse qualquer debate ou participação pública.

"No law" – Na mídia brasileira predomina a no law, ou seja, a ausência de regulação. A principal referência legal ainda é o quase cinquentenário Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Desatualizado, foi fragmentado pela Lei Geral de Telecomunicações, de 1997 e é complementado por várias normas avulsas para serviços específicos (diferentes modalidades de televisão paga, por exemplo) que, em alguns casos, são até mesmo contraditórias. Ademais, as normas constitucionais existentes, em sua maioria, não foram regulamentadas pelo Congresso Nacional e, portanto, não são cumpridas. Um exemplo emblemático são os princípios para a produção e a programação do serviço público de radiodifusão (Artigo 221), que deveriam também servir de critério para a outorga e a renovação de concessões e, no entanto, são ignorados.

A situação é de tal forma grave que, em novembro de 2010, a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (FITERT) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) protocolaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO nº 09) pedindo ao Supremo Tribunal Federal que declare "a omissão inconstitucional do Congresso Nacional" em legislar sobre a matéria.

Situação ao final do governo Lula
** Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM) – Durante o primeiro governo Lula, duas comissões foram criadas com a finalidade de produzir um pré-projeto de LGCEM. No entanto, elas nunca chegaram a se reunir. A primeira – que era um GTI (Grupo de Trabalho Interministerial) – esperou oito ou nove meses para que seus membros fossem indicados. Quando finalmente indicados e marcada uma primeira reunião, o governo decidiu que não seria mais um GTI, mas sim uma Comissão Interministerial (CI), com representantes também da Procuradoria Geral da República e outros órgãos. A primeira comissão, um GTI, deixou de existir, embora nunca tivesse se reunido. E a nova, uma CI, também nunca se reuniu.

O tema, no entanto, não morreu. Em julho de 2010, o presidente Lula assinou novo decreto criando outra CI para "elaborar estudos e apresentar propostas de revisão do marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiofusão". Fazem parte da nova comissão representantes da Casa Civil, dos ministérios das Comunicações e da Fazenda, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (SECOM) e da Advocacia Geral da União. Representantes de órgãos e entidades da administração federal, estadual e municipal, além de entidades privadas, poderão ser convidados a participar das reuniões. O artigo 6º do decreto diz que "a Comissão Interministerial encerrará seus trabalhos com a apresentação, ao Presidente da República, de relatório final", mas não estabelece prazo para que isso ocorra [íntegra do decreto].

A pouco menos de dois meses do término do governo Lula, em novembro de 2010, um primeiro resultado público do trabalho da nova CI, liderado pela SECOM, se materializou na realização do "Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias", em Brasília. Representantes de três organismos internacionais – Comissão Européia, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e UNESCO – e de órgãos reguladores de cinco países – Portugal, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos e Argentina – debateram, ao longo de dois dias, com empresários de mídia, jornalistas, parlamentares, acadêmicos, ONGs, movimentos sociais e funcionários públicos graduados, diferentes formas adotadas para regulação democrática do setor de comunicações. [As proferidas do Seminárioestão disponíveis aqui.] Além de qualificar o debate público do tema com o conhecimento das experiências internacionais, um dos objetivos era fornecer subsídios para (finalmente) a elaboração do pré-projeto de um "marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiodifusão".

** Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (ANCINAV) – O projeto de transformar a ANCINE (Agência Nacional de Cinema) em Ancinav – que seria o órgão regulador e fiscalizador da produção e distribuição dos conteúdos audiovisuais – não chegou sequer a ter uma versão final. Um pré-projeto não oficial vazado para a imprensa provocou uma feroz e intensa campanha de oposição, movida, sobretudo, pelos grupos tradicionais de mídia. Diante disso o governo decidiu, em janeiro de 2005, que os estudos prosseguiriam mas que, prioritariamente, deveria ser construída uma proposta de regulação mais ampla dentro da qual a transformação da ANCINE em ANCINAV pudesse ser incluída. O argumento foi de que não se poderia implantar uma agência reguladora do audiovisual sem se ter primeiro uma LGCEM.
Em janeiro de 2005 o governo anunciou que seria encaminhada ao Congresso Nacional uma nova proposta de legislação contemplando apenas os setores de fomento e de fiscalização na área da produção audiovisual. Isso atendia aos interesses de grupos que faziam oposição ao projeto de transformação da ANCINE em ANCINAV. A nova proposta de lei foi de fato elaborada e enviada ao Congresso Nacional, em junho do ano seguinte, e seis meses depois transformada na Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, que criou o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) regulamentado pelo Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

** Rádios comunitárias – O governo Lula não foi capaz de implementar políticas democratizantes em relação às rádios comunitárias, que continuam regidas por uma legislação excludente aprovada no governo de Fernando Henrique Cardoso (Lei nº 9.612/1998). Ainda em 2003 foi criado um Grupo de Trabalho (GT) que chegou a produzir um relatório final. Mudou-se o ministro das Comunicações, criou-se agora um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que se reuniu ao longo de 2010 produzindo também extenso relatório final. Mudou-se novamente o ministro e o novo titular da pasta não aceitou o relatório final do GTI, que nunca chegou a ser encaminhado à Presidência da República.

A repressão às rádios comunitárias – que não conseguem se legalizar, na maioria das vezes por inoperância do próprio Ministério das Comunicações – em certos momentos chegou mesmo a aumentar, comparada ao governo anterior.

** RTVIs – As RTVIs (Retransmissoras de TV Institucionais) foram criadas pelo Decreto nº 5.371, de 17 de fevereiro de 2005. Elas representavam uma excelente oportunidade para o poder municipal se tornar retransmissor de emissoras de TV do campo público e, também, produtor de conteúdo. O decreto abria a possibilidade de uso da TV a cabo por prefeituras em até 15% do tempo total de retransmissão.

A "brecha" foi saudada por todos os que se interessam pela democratização do mercado da comunicação e o fortalecimento da televisão pública. A TV a cabo, ainda hoje, alcança apenas cerca de 260 municípios dos mais de 5.600 existentes no país. Como as operadoras de TV a cabo são obrigadas, por lei, a transmitir canais comunitários, as atividades das Câmaras de Vereadores seriam transmitidas e haveria também a possibilidade da geração de receitas publicitárias e do início da produção de conteúdo local. Houve, no entanto, uma forte reação dos grupos privados de radiodifusão e, menos de dois meses depois da assinatura do Decreto 5.371, um novo Decreto – de nº 5.413, de 6 de abril de 2005 – foi assinado voltando atrás e extinguindo as RTVIs.

** TV Digital – A escolha do modelo japonês para a implantação da TV Digital no Brasil, consolidada ao longo de uma profunda crise política (2005) e em ano eleitoral (2006), sinalizou um recuo importante na postura anterior do governo Lula em relação à política de digitalização da televisão.

No início do processo, o Decreto nº 4.901 de 26/11/2003, que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), contemplou a participação direta de representantes da sociedade civil organizada que já faziam parte do Comitê Consultivo do SBTVD e discutiam as alternativas de política. No entanto, a partir da nomeação do senador Hélio Costa (PMDB-MG) para ministro das Comunicações, em julho de 2005, esse comitê foi sendo esvaziado e marginalizado pelo próprio Ministério das Comunicações e os representantes da sociedade civil perdendo a voz até que, na decisão final, não tiveram qualquer interferência.

Dois anos e sete meses após a criação do SBTVD, um novo decreto altera radicalmente a política anterior. O Decreto nº 5.820 de 29/06/2006 – apesar de criar um canal "de cultura", destinado à transmissão de produção cultural e programas regionais, e um canal "de cidadania" para transmissão, dentre outros, de programas de comunidades locais – atendeu diretamente aos grupos dominantes de mídia, em especial aos radiodifusores. A eles interessava garantir a comercialização de seus conteúdos diretamente aos usuários da telefonia móvel, sem depender da intermediação das empresas de telefonia. Mas, sobretudo, interessava evitar a oportunidade histórica de ampliação do número de concessionários de televisão no país.

O Ministério Público de Minas Gerais iniciou ação civil junto à Justiça Federal pela nulidade do Decreto nº 5.820, ainda em agosto de 2006, mas não logrou sucesso na iniciativa. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por sua vez, protocolou no Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2007, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o mesmo decreto que veio, finalmente, a ser julgada improcedente três anos depois, em 5 de agosto de 2010.

** Regulamentação da TV Paga – Desde 2007 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que "abre o setor de TV por assinatura para as teles, cria a separação de mercado entre produtores de conteúdo e empresas de distribuição e ainda cria cotas de programação nacional nos pacotes de canais pagos", além de revogar a Lei do Cabo de 1995.

Na sua complicada e controversa versão atual, o projeto – PLC 116 do Senado Federal – é o resultado da articulação inicial de três propostas representando grupos e interesses distintos: o PL 29/2007, do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), representa as empresas de telefonia; o PL 70/2007, do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), representa os radiodifusores; e o PL 323/2007, dos deputados Walter Pinheiro (PT-BA) e Paulo Teixeira (PT-SP), que se situa em posição intermediária entre os interesses dos dois setores.

Aprovado em junho de 2010 na Câmara dos Deputados, a posição de diferentes atores em relação ao projeto tem oscilado na medida mesma em que o próprio projeto sofre alterações. A operadora Sky (associação dos grupos News Corporation e Globo) e a Associação Brasileira de Programadores de TV por Assinatura (ABPTA) patrocinam uma campanha publicitária denominada "Liberdade na TV", contrária ao projeto com o mote "querem intervir na sua TV por assinatura".

1.2 Níveis de concentração da propriedade
** Propriedade cruzada – A legislação brasileira nunca se preocupou de forma efetiva com a propriedade cruzada dos meios de comunicação. O mais próximo que se chegou dessa preocupação foi na década de 1960, durante o regime militar, quando houve uma tentativa, através do Decreto-Lei 236/1967, de se estabelecer limites para o número de concessões de radiodifusão que um mesmo grupo privado poderia controlar. Esses limites, no entanto, não foram obedecidos. O Estado, que é o órgão fiscalizador, jamais interpretou a norma legal como forma de regular a concentração da propriedade.

Não há, portanto, na legislação brasileira, sobretudo na de radiodifusão, preocupação com o fato de que o mesmo grupo empresarial, no mesmo mercado, seja concessionário de emissora de rádio e/ou de televisão, e ainda proprietário de empresas de jornais e/ou de revistas.

Os principais grupos empresariais que existiram e ainda existem na mídia brasileira são multimídia, baseados na propriedade cruzada. Isso foi verdade para os Diários Associados – o primeiro grupo dominante no país – e é, evidentemente, verdade para as Organizações Globo – o maior grupo de mídia que existe no Brasil hoje.

A propriedade cruzada, para efeito de um diagnóstico da mídia brasileira na perspectiva da economia política do setor, torna irrelevante a diferença entre mídia impressa e mídia eletrônica. Nos casos mais importantes, os grupos controladores de uma e de outra são os mesmos.

Uma das conseqüências dessa omissão reguladora é que a mídia privada comercial foi sempre oligopolizada, exatamente porque se formou com base na ausência de restrições legais à propriedade cruzada dos diferentes meios.

** Oligarquias políticas e familiares – A mídia brasileira é controlada por uns poucos grupos familiares. Mas não só por grupos familiares. Eles são também os mesmos grupos oligárquicos da política regional e local. Aparece, então, uma questão extremamente importante: o coronelismo eletrônico, prática política através da qual forças no controle do aparelho de Estado se utilizam das outorgas de radiodifusão como moeda de barganha política. Dessa forma, o poder concedente desse serviço público, muitas vezes, se confunde com o próprio concessionário, atualizando e reproduzindo, com roupagem nova, o coronelismo político da República Velha para o tempo presente. [Para uma discussão conceitual sobre a prática política do "coronelismo" ver, neste Observatório, Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes, "Rádios Comunitárias: Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)".]

** Igrejas – Tem havido um avanço importante do controle tanto da radiodifusão quanto da mídia impressa brasileiras por diferentes igrejas. O maior avanço é das igrejas evangélicas neopentecostais, embora, historicamente, a igreja católica seja a maior concessionária de emissoras de rádio no Brasil. Em alguns casos, a presença das igrejas como concessionárias é bastante evidente – como, por exemplo, na programação vespertina dos canais da TV aberta, tanto em VHF como em UHF.

** Hegemonia de um único grupo privado – As Organizações Globo concentram as verbas publicitárias, de maneira desproporcional à audiência relativa de seus veículos: em torno de 60% do "bolo publicitário". Para a Rede Globo de Televisão, que lidera a audiência deste segmento, o percentual chega a ser ainda maior, de tal forma que se somarmos todas as outras emissoras comerciais de televisão veremos que a elas são destinados apenas entre 35% e 40% do volume total de publicidade.

** Concentração da propriedade – Quando se trata da radiodifusão e da imprensa, o Brasil se antecipou à tendência de concentração da propriedade na mídia manifestada pelo processo de globalização. A propriedade sempre foi concentrada e, ademais, concentrada dentro de parâmetros inexistentes em outros países. A sinergia verticalizada em áreas da produção de entretenimento (telenovelas, por exemplo) é prática consagrada na TV comercial há muitos anos. Não há rigor no cumprimento dos poucos limites existentes em lei com relação ao número possível de concessões de rádio e TV para o mesmo grupo empresarial no mesmo mercado. A propriedade cruzada na radiodifusão e entre a radiodifusão e a imprensa é permitida sem restrições. Não há limites para o tamanho das audiências das redes de televisão. Esse quadro regulatório gerou um fenômeno de concentração horizontal, vertical, cruzado e "em cruz", sem paralelo. O Brasil é o paraíso da radiodifusão privada comercial oligopolizada.

Balanço do governo Lula
Não houve qualquer alteração fundamental no quadro de concentração da propriedade da mídia no Brasil entre 2003 e 2010.

1.3 Financiamento dos meios de comunicação
Na tradição brasileira, o Estado tem sido – direta ou indiretamente – uma das principais e, em muitos casos, a principal fonte de financiamento da mídia privada comercial, seja ela impressa ou eletrônica. Basta verificar quais são os maiores (em termos de recursos publicitários) anunciantes dos jornais, das revistas semanais e dos telejornais das principais redes de televisão privada do país.

Balanço do governo Lula
** Reorientação na publicidade oficial – Uma importante descentralização na alocação dos recursos publicitários oficiais teve início em 2003. Apesar dos grupos dominantes da grande mídia continuarem a ser os destinatários prioritários das verbas, o número de municípios cobertos pulou de 182, em 2003, para 2.184, em 2009, e o número de meios de comunicação programados subiu de 499 para 7.047, no mesmo período (ver quadros abaixo).

REGIONALIZAÇÃO DE VERBAS PUBLICITÁRIAS 
OFICIAIS POR MUNICÍPIOS E POR TOTAL DE VEÍCULOS (2003-2009)
Fonte: SECOM-PR




REGIONALIZAÇÃO DE VERBAS PUBLICITÁRIAS
OFICIAIS POR DIFERENTES VEÍCULOS (2003-2009)
Fonte: SECOM-PR

 
2. Principais avanços, recuos e derrotas
2.1. Avanços
Além do início do mencionado processo de regionalização da alocação dos recursos de publicidade oficial, registrem-se os outros seguintes avanços:

** Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – O ano de 2007 ficará marcado pelo nascimento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC-TV Brasil), resultado da fusão da Radiobrás com a ACERP/TVE, a TVE do Maranhão e o canal digital de São Paulo. Sua conformação final surgiu das dezenas de emendas que a Medida Provisória 398/07 recebeu no Congresso Nacional.

Apesar das críticas que podem ser feitas ao processo de sua implantação – e são muitas –, a EBC, finalmente criada pela Lei 11.652, de 7 de abril de 2008, representa um importante avanço: está "no ar" uma TV que institucionalmente se define como pública e a disputa para definir o que é uma televisão pública se desloca agora para a sua prática.

** 1ª. Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM) – A realização da CONFECOM – a última conferencia nacional a ser convocada de todos os setores contemplados pelo "Título VIII - Da Ordem Social" na Constituição de 1988 – sempre encontrou enormes resistências dos grandes grupos de mídia. Seis entidades empresariais se retiraram da Comissão Organizadora: Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (ABERT); Associação Brasileira de Internet (ABRANET); Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA); Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil (ADJORI Brasil); Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) e Associação Nacional de Jornais (ANJ). Permaneceram a Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), uma dissidência da ABERT fundada pelas redes Bandeirantes e Rede TV!, em maio de 2005; e a Associação Brasileira de Telecomunicações (TELEBRASIL), criada em 1974, com a missão de "congregar os setores oficial e privado das telecomunicações brasileiras visando à defesa de seus interesses e o seu desenvolvimento".

Afinal realizada em Brasília, de 14 a 17 de dezembro de 2009, a 1ª CONFECOM teve a participação de mais de 1.600 delegados, democraticamente escolhidos em conferências estaduais nas 27 unidades da Federação, representando movimentos sociais, parte dos empresários de comunicação e telecomunicações e o governo. Dela saíram mais de 600 propostas que deverão servir de referência para apoio e/ou apresentação de projetos de regulação do setor de comunicações no Congresso Nacional. Acima de tudo, e independente do boicote e da satanização quase unânime por parte da grande mídia, a 1ª CONFECOM ampliou de forma inédita a mobilização da sociedade civil e o espaço público de debate sobre as comunicações no país.

** Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – Em maio de 2010 foi instituído o Programa Nacional de Banda Larga pelo decreto n. 7.175/2010 com o objetivo de "fomentar e difundir o uso e o fornecimento de bens e serviços de tecnologias de informação e comunicação, de modo a: massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em banda larga; acelerar o desenvolvimento econômico e social; promover a inclusão digital; reduzir as desigualdades social e regional; promover a geração de emprego e renda; ampliar os serviços de Governo Eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do Estado; promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação; e aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras." A Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás) foi reativada e será a gestora do plano, estando prevista a atuação de empresas privadas de forma complementar para fazer os serviços chegarem ao usuário final.

O PNBL ainda é uma promessa e o presidente da Telebrás tem acusado as empresas privadas de telefonia de o boicotarem. Na verdade, cinco grupos são responsáveis por 95% da oferta atual de banda larga no Brasil – Oi, Telefônica, Embratel/Net, GVT e CTBC – enquanto 2.125 pequenos provedores respondem pelos restantes 5% do mercado. Há pouca ou nenhuma competição e os grupos dominantes são contra a inclusão de metas de expansão da infraestrutura de banda larga nos contratos de concessão das empresas de telefonia que estão em fase de revisão na ANATEL, a agência reguladora do setor.

2.2 Recuos e derrotas
Além dos registros já feitos em relação à não elaboração até mesmo de um projeto de Lei Geral para regulação da comunicação eletrônica; do recuo em relação à transformação da ANCINE em ANCINAV; da inoperância em relação à legislação das rádios comunitárias; do recuo em relação ao decreto das RTVIs e à escolha do modelo tecnológico para implantação da TV digital, também merecem menção:

** Cadastro geral dos concessionários de radiodifusão – O primeiro ministro das Comunicações do governo Lula, deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ao assumir a pasta, em janeiro de 2003, prometeu que tornaria público o cadastro com os nomes de todos os concessionários das emissoras de rádio e de televisão no país. De fato, cumpriu a promessa em novembro de 2003: o cadastro, embora incompleto e falho, passou a estar disponível no site do MiniCom.

Foi a primeira vez que o público tomou conhecimento dessa informação básica. Os Decretos Legislativos confirmando as outorgas são publicados no Diário Oficial da União (DOU), mas trazem apenas os nomes das empresas. Não especificam os nomes de seus sócios.

No início de 2007, o cadastro "desapareceu" do site do MiniCom. Desde então, o interessado em informações oficiais só pode recorrer àquelas disponíveis no site da ANATEL. Lá não existe um cadastro geral com a relação de concessionários, mas sim dois bancos de dados: o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (SIACCO) e o Sistema de Informação dos Serviços de Comunicação de Massa (SISCOM).

No SIACCO pode-se pesquisar o "perfil das empresas" por razão social ou CNPJ e, a partir daí, chega-se ao quadro societário e/ou à diretoria das entidades – em geral, incompletos. Já no SISCOM a busca pode ser feita por localidade e por serviço. Vale dizer: aquele que quiser compor um cadastro completo deverá pesquisar município por município.

Do cadastro geral disponibilizado ao público em novembro de 2003 regredimos para uma informação fragmentada que, na prática, impede a construção de um quadro geral das concessões e de seus concessionários.

** Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) – O governo encaminhou projeto de criação do CFJ ao Congresso Nacional em 4 de agosto de 2004. Segundo a FENAJ (Federação Nacional de Jornalistas), o principal objetivo era "promover uma cultura de respeito ao Código de Ética dos Jornalistas". Diante da intensa e violenta oposição da grande mídia, no entanto, a própria FENAJ, preparou e distribuiu, em Brasília, umsubstitutivo ao projeto original, no dia 13 de novembro, agora de criação de um Conselho Federal de Jornalistas como "órgão de habilitação, representação e defesa do jornalista e de normatização ética e disciplina do exercício profissional de jornalista". Apesar disso, através de votação simbólica, por acordo de lideranças, a Câmara dos Deputados decidiu desconsiderar o substitutivo e rejeitar o primeiro projeto, em 15 de dezembro de 2004.

** III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) – Houve importante recuo do governo Lula em relação às diretrizes originais para a comunicação constantes do PNDH3 (Decreto nº 7.037, de 21 de Dezembro de 2009). Menos de cinco meses depois, novo decreto (Decreto nº. 7.177 de 12 de maio de 2010) alterou o anterior e, no que se refere especificamente ao direito à comunicação: (a) manteve a ação programática (letra a) da Diretriz 22 que propõe "a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados"; (b) exclui as eventuais penalidades previstas no caso de desrespeito às regras definidas; e (c) exclui também a letra d, que propunha a elaboração de "critérios de acompanhamento editorial" para a criação de um ranking nacional de veículos de comunicação.

** Conselho de Comunicação Social – Na Constituinte de 1987-88, a proposta original de criação de um "órgão regulador independente e autônomo" foi transformada em "órgão auxiliar" que deveria apenas ser ouvido quando o Congresso Nacional julgasse necessário (Artigo 224). Essa alteração deu origem ao Conselho de Comunicação Social (CCS). Apesar de criado, todavia, o CCS sempre enfrentou forte resistência de boa parte dos parlamentares.
A lei que regulamentou a criação do CCS (Lei 8339/1991) foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1991, mas ele só logrou ser instalado em 2002, como parte de um polêmico acordo para aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário para os empresários da grande mídia. A Emenda Constitucional nº 36 (Artigo 222), aprovada em maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital total.

Mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS, quando instalado, demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor – concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária etc. Vencidos os mandatos de seus primeiros membros, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião. Os membros para um terceiro mandato não foram indicados e o CCS não mais se reuniu.

3. Contexto e estratégias
A maioria das propostas de políticas públicas que a sociedade civil organizada considera avanços no processo de democratização das comunicações não foi implementada no período 2003-2010. Ao contrário, muitas das iniciativas neste sentido, como vimos, foram sendo, uma a uma, abandonadas ou substituídas por outras que negavam as intenções originais. Existem, no entanto, exceções importantes.

Em diferentes ocasiões, ficaram também evidentes as contradições e conflitos de orientação política entre setores internos ao próprio governo, em especial o Ministério das Comunicações, o Ministério da Cultura e a SECOM-PR. Registre-se, por exemplo, a ausência, na prática, do Ministério das Comunicações tanto do esforço de elaboração de um projeto de LGCEM (liderado pela SECOM), quanto da instituição e implementação do PNBL (liderado pelo Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital, vinculado diretamente ao Gabinete Pessoal do Presidente da República).

Da mesma forma, ficou mais de uma vez evidente a impotência do Estado diante dos grandes grupos de mídia, assim como ficou claro o enorme poder histórico desses grupos, ainda capazes de interferência direta na própria governabilidade do país.

Considere-se ainda que algumas questões relevantes não puderam ser tratadas aqui. Dois exemplos: (1) houve ou não continuidade na prática do coronelismo eletrônico, isto é, no uso das autorizações, concessões e renovações de radiodifusão como moeda de barganha política? (2) de que forma decisões do Judiciário afetaram direta ou indiretamente a democratização das comunicações [não exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista; inconstitucionalidade total da Lei de Imprensa de 1967 e o direito de resposta]?
O período 2003-2010 foi também marcado (1) pelo formidável avanço da internet e (2) pelo recrudescimento da posição radical dos grupos privados de mídia em relação a qualquer proposta de regulação das comunicações, oriunda ou não do governo.

3.1 Avanço da internet
Dados do Ibope revelam que "das cerca de 60 milhões de pessoas que acessaram a internet em 2008, 67% fazem parte das classes C, D e E. Cerca de 80% dessas pessoas têm renda familiar mensal de até cinco salários mínimos". Dessa forma, "de ferramenta quase exclusiva da elite nos anos 1990, a internet encerra a primeira década do século 21 tendo como usuário um indivíduo cada vez mais parecido com o brasileiro médio".

Por outro lado, o PNBL – já mencionado – se devidamente implementado em articulação com políticas específicas de inclusão digital, renova esperanças de avanço ainda maior no processo de universalização da internet nos próximos anos.

3.2 Intolerância
Alguns exemplos da radicalização crescente por parte dos atores dominantes no campo das comunicações:

** Partidarização – A presidente da Associação Nacional de Jornais admitiu publicamente a partidarização da mídia ao afirmar, em março de 2010:

"A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo." (Cf. "Ações contra tentativa de cercear a imprensa", O Globo, 19/3/2010, p. 10)

Essa partidarização tem sido evidenciada rotineiramente na cobertura política realizada pela grande mídia, em particular ao tempo das campanhas eleitorais [cf. Venício A. de Lima (org.); A Mídia nas Eleições de 2006. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007].

É oportuno registrar que a partidarização da mídia tem como corolário não só o enfraquecimento dos partidos, como sua própria despolitização, na medida em que são afastados da política cotidiana e confinados às formalidades e à burocracia de seu funcionamento legal e dos procedimentos eleitorais.

** "Democratização da comunicação" – A radicalização chegou a tal ponto que até a expressão "democratização da comunicação" passou a ser satanizada pela grande mídia. Propostas para a "democratização da comunicação", muitas vezes simples referências a normas e princípios consagrados na Constituição de 1988, passam a ser imediatamente rotuladas de autoritárias ou de ameaças à liberdade da imprensa. Praticamente não há diálogo ou negociação entre os atores dominantes e a sociedade civil. A retirada das associações que representam os principais grupos de mídia da Comissão Organizadora da 1ª CONFECOM talvez seja o caso mais emblemático desse tipo de intolerância.

Em 19 de outubro de 2010, a aprovação pela Assembléia Legislativa do Ceará do "Projeto de Indicação nº 72.10", que propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS), detonou um novo ciclo de generalizada reação da grande mídia e da própria OAB nacional. Na ocasião, o advogado e editor do suplemento "Direito & Justiça" do Correio Braziliense, referindo-se às propostas aprovadas pela 1ª. CONFECOM, chegou a afirmar que "Goebbels, encarregado por Hitler da difusão da propaganda nazista e de eliminar adversários do regime, não teria feito melhor" (cf. Josemar Dantas, "Democracia em Risco", suplemento "Direito&Justiça", Correio Braziliense, 8/11/2010, p. 2).

Considerando a radicalização e a intolerância que têm marcado a relação entre os principais atores do campo nos últimos anos, o futuro próximo certamente reserva imensos desafios para a democratização das comunicações no Brasil.

*Texto comissionado pela Fundação Friedrich Ebert (FES) e apresentado no seminário "Partidos Políticos Progresistas y Medios de Comunicación en el Cone Sur", realizado em Santiago (Chile), de 6 a 7 de dezembro de 2010; título original "Política de comunicações no governo Lula (2003-2010)".

Fonte: Observatório da Imprensa (Venício A. de Lima).