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8 de novembro de 2010

O que fazer do Ministério das Comunicações

O processo de transformação democrática do Brasil prosseguirá por mais quatro anos. Assim decidiu a maioria da Nação. Será muito difícil, ao cabo desses 12 anos, que desse processo não se consolide uma realidade social e econômica muito distinta da que tínhamos antes de iniciado o primeiro governo Lula e, sobretudo, que seus avanços ainda possam ser revertidos. Quem quer que suceda Dilma, em 2015, não poderá mais voltar atrás nas conquistas alcançadas. O país será outro.

No entanto, se muito avançou em algumas áreas importantes, o governo Lula pouco ou nada avançou em outras. Admitamos, para sermos generosos, que cada fase determina suas prioridades. Uma das áreas nas quais o governo Lula muito pouco avançou foi na das Comunicações. Reivindiquemos: esta é, agora, uma das áreas a ser priorizada.

Há oito anos atrás, recém-eleito presidente, Lula ocupou, como um terceiro “âncora”, ao lado do casal Bonner-Bernardes, todo o tempo de quase uma hora, em edição especial, do “Jornal Nacional” da Rede Globo. Para as corporações mediáticas (doravante CM), este seria o símbolo maior de suas expectativas em domesticá-lo. Mas para o próprio Lula, este seria também o símbolo maior da sua expectativa de vir ser aceito como um novo integrante das elites políticas e econômicas de nosso país. Dois mandatos depois, era perceptível, na reta final da última campanha, a frustração do presidente, respondendo em tom maior a cada cretinice da qual foi vítima ao longo de todos esses oito anos. Preconceito, como subdesenvolvimento, não se improvisa, é obra de séculos...

Lula e o PT alimentaram a ilusão de que poderiam conviver civilizada e democraticamente com as CMs; que pouco ou nada haveria a fazer no campo das Comunicações. Na verdade – é necessário dizê-lo –, Lula e o PT nunca tiveram uma política clara para as Comunicações. Omitiram-se por ocasião da privatização da Telebrás, efetivada às vésperas das eleições de 1998. Não “dava votos”. Agora, durante esta última campanha, viu-se uma candidata Dilma Rousseff sem respostas para as falsidades demagógicas de seu opositor sobre o “êxito” da privatização da Telebrás, embora, qualquer observador independente conheça bem as mazelas resultantes (ver “Nossa Opinião: Privatização, a política que atrasou as telecomunicações no Brasil” e “Telecomunicações, ainda falta muito para universalizar” ).

Já no governo, Lula e seu governo deixaram morrer nas gavetas do Ministério das Comunicações até mesmo os três ante-projetos que seu antecessor elaborara, para consumar a reforma que vinha avançando no setor, depois da privatização da Telebrás. Cardoso, ao menos, desejara atualizar o ordenamento jurídico da “comunicação social eletrônica”. O governo Lula nem nisso avançou. Fez que esqueceu. 

Pagou pelo erro. E se Dilma não mudar, continuará pagando. Basta ler o noticiário de O Globo no dia seguinte à sua eleição, a começar pela manchete de primeira página para não ter o direito de seguir alimentando ilusões: “Lula elege Dilma e aliados já articulam sua volta em 2014”. Precisa mais?

“Perdeu, playboy”

Não é de hoje que as CMs se colocam em bloco contra o progresso social e a democratização de nossa sociedade. Foi assim em meados dos anos 1950 quando levaram Getulio Vargas ao suicídio, foi assim em 1964 quando pregaram e saudaram o golpe e a ditadura militar. Ao longo de mais de meio século, agruparam-se e consolidaram-se em um pequeno grupo de grandes organizações capitalistas (nacionais e regionais) essenciais à produção e reprodução de um determinado modelo de desenvolvimento, aquele promotor do consumo conspícuo e da concentração de renda. Pretendem-se responsáveis pelo agendamento da “opinião pública”, esta definida enquanto um certo senso comum político e moral daquela parcela mais rica e escolarizada da população, na qual são recrutados os quadros dirigentes da economia e da política nacionais, além, claro, dos próprios jornalistas. Pela natureza essencialmente simbólica da atividade mediática, as CMs tornaram-se, no Brasil, o núcleo formulador essencial do projeto conservador de poder, ocupando o espaço que caberia ao próprio Estado, aos partidos políticos, à Academia, à Igreja, a outras instituições. Aos poucos, todas foram se colocando a reboque da agenda mediática. Se aborto vira, ou não, tema de campanha, não o será porque a Igreja queira ou deixa de querer, mas porque as CMs o querem, ou não.


Mas a sociedade muda. A cada ciclo de mais ou menos meio século, qualquer sociedade capitalista passa por grandes mudanças. Nos últimos 15 a 20 anos, o mundo e o Brasil passaram e seguem passando por grandes transformações econômicas, políticas e culturais. O mundo e o Brasil de hoje não são mais os mesmos que eram quando as CMs se consolidaram de vez, no Brasil, ali por volta dos anos 70 do século passado. 

No próprio campo interno do capital, emergiram novas forças produtoras de imaginário e consumo. A “comunicação de massa” está dando lugar a uma comunicação segmentada, identitária, atomizada. Não é o caso, aqui, de examinar se isto é bom ou ruim. É fato. Fato que se expressa no deslocamento das audiências para os canais de TV por assinatura, portais e blogs de internet, música via iPod ou MP3, entretenimentos pelo “celular” etc. Novas grandes corporações mediáticas emergiram, associando produtores e programadores de “conteúdos” com provedores de infra-estrutura, para atender a essas novas realidades econômicas e culturais (é o que se chama “convergência de mídias”). O Brasil não acompanhou essa evolução. Ao destruir a Telebrás do jeito como destruiu (oposto ao que fizeram, com suas “telecoms”, todos os países sérios do mundo, inclusive o México), o governo Cardoso impôs enormes obstáculos, no Brasil, à evolução do nosso capital mediático para essa nova fronteira. O que sobrou – as CMs comerciais de imprensa e radiodifusão – viram-se numa condição bastante fragilizada e disto muito se queixam agora, assumindo subitamente um falso discurso “nacionalista”, depois de terem aplaudido entusiasmadamente a desastrada privatização cardosina.

Ao mesmo tempo, graças sobretudo, no Brasil, ao governo Lula, uma grande parcela da nossa população foi incorporada ao universo do consumo conspícuo. Esta foi a maior realização deste governo. As últimíssimas palavras da candidata Dilma Rousseff, no debate na Globo, interrompidas pelo cronômetro, deixam isto claro, consciente ou subconscientemente: “melhoria da vida material”... Ficou fora, a cultural, a simbólica.
Esta nova massa consumidora é a massa da internet e do celular. Nem por isso culta, se por cultura entendemos uma evolução racional, ilustrada, simbolicamente cada vez mais rica, da mente social humana. Basta ouvirmos a miséria melódica e poética (se dá para usar estes termos) do som dito “popular” que toca nas praias do Nordeste ou nas favelas funqueiras cariocas para percebermos o retrocesso estético e ético que paradoxalmente está acompanhando aquela melhoria material. No fundo, essa massa consumidora por enquanto feliz, será presa fácil do fascismo e do obscurantismo tão logo a economia comece a ratear. E que ninguém espere progresso sem crises, numa economia capitalista... Aliás, o obscurantismo evangélico não teria tido a força que teve nesta última campanha, se à “prosperidade” dos irmãos não correspondesse equivalente pauperização intelectual.

As CMs, nesta última campanha, tudo fizeram, até mesmo promover perigoso obscurantismo, para impor ao País, o governo que imaginavam lhes seria favorável na construção de políticas implícitas ou explícitas em defesa dos seus interesses. Querem controlar a “convergência”, subordinando-a aos seus estreitos e ultrapassados limites. E talvez se iludam (não há, por enquanto, outra explicação), imaginando que ainda podem monopolizar, a partir “de cima”, a produção do imaginário político e cultural do país. “Perdeu, play-boy”, diz-se na linguagem lumpen. Resta saber se Dilma Rousseff entendeu isto.

Um ministério estratégico

Na cabeça e mãos da primeira presidenta do Brasil, encontra-se o desafio de reconstruir a indústria cultural brasileira, sem falar, claro, da valorização ética e estética de toda a enorme riqueza cultural do País ainda a margem e ao largo da produção capitalista. No governo Lula, se teve um ministério atento tanto à indústria empresarial, quanto às expressões amadoras genuinamente populares, este ministério foi o da Cultura. Mas se há um ministério essencial para esta tarefa, este é o das Comunicações. Durante o governo Lula, foi omisso – mas o foi propositadamente omisso. O pouco que o governo avançou, quando avançou, deve-se a iniciativas da Cultura ou da sua Casa Civil – nesta brotaram os programas de “inclusão digital”, inclusive, por último, o Plano Nacional de Banda Larga.


Dilma Rousseff não poderá seguir olhando para o Ministério das Comunicações como um espaço de barganha política. Nesta era da “sociedade da informação”, da “economia criativa”, do “capitalismo cognitivo”, que outros nomes queiram dar ao atual capitalismo, as Comunicações são tão estratégicas quanto eram siderurgia ou petróleo nos anos 1950. Este é um segmento que já atinge 7% do PIB mundial (indústria eletro-eletrônica mais produção e programação de conteúdos audiovisuais). O Brasil não pode se atrasar nele. Espera-se que a presidenta Dilma nomeie para as Comunicações um ministro comprometido com um projeto estratégico de país, não com as vulgaridades da micropolítica partidária – e correspondentes interesses de um sistema ultrapassado de comunicação social.

O governo Dilma Rousseff já tem um programa para as Comunicações. Ele foi escrito pelo movimento popular, juntamente com o empresariado moderno e o próprio Governo Lula, na Iª Conferência Nacional de Comunicação (Iª Confecom). Se Dilma se comprometeu, em seu primeiro pronunciamento, logo após anunciado o resultado, com a Constituição, a Confecom quer, justamente, ver regulamentado os artigos 220 a 224 dessa mesma Constituição. A Confecom quer mais: pediu programas de defesa, apoio, fomento à produção audiovisual brasileira, à diversidade cultural, à pluralidade de vozes. Reivindicou uma grande reforma normativa em direção à “convergência”, mas priorizando a defesa da cultura brasileira, da economia e do desenvolvimento científico-tecnológico nacionais. E sustentou a necessidade de o governo implementar um programa de universalização da banda larga, em regime público (neste aspecto, o PNBL deixado pelo governo Lula não atende a esta demanda). Por fim, mas não por último, defende que os órgãos normativos e regulamentadores sejam transparentes, plurais, democráticos, na forma de Conselhos nos quais se possam ouvir as vozes dos diferentes segmentos da sociedade. 

O governo Dilma Rousseff terá quatro anos para pôr essas resoluções em prática, condição sine qua non de consolidação e aprofundamento dos avanços sociais e econômicos até agora conquistados. Para isto, precisará de um ministro das Comunicações comprometido com o movimento popular, com o capitalismo de fronteira e com as reformas democráticas por ambos aprovadas na Confecom. Já é mais do que passada a hora de o projeto representado por Lula e por Dilma, mais uma vez reafirmado nas urnas, assumir de uma vez por todas o comando desse Ministério. 

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