No Brasil onde infelizmente pouco se investe em Pesquisa e Desenvolvimento e, em especial, na indústria nacional de tecnologia, o Ginga, um middleware - software intermediário que permite o desenvolvimento de aplicações interativas para a TV Digital - ficou famoso internacionalmente pela sua qualidade e inovação e já foi adotado por diversos países. Mas, ainda luta pelo reconhecimento do mercado brasileiro.
A tecnologia é resultado de anos de pesquisas lideradas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e reúne um conjunto de tecnologias e inovações brasileiras que o tornam a especificação de middleware mais avançada e adequada à realidade do país.
Para saber mais sobre a situação atual do Ginga, o Instituto Telecom conversou com Luiz Fernando Gomes Soares, Coordenador do Laboratório TeleMídia da PUC-Rio e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Ginga. Confira abaixo a entrevista especial para o Nossa Opinião desta semana.
1)Como a utilização do Ginga pode auxiliar na melhoria de vida para a população?
Fernando Gomes - Uma das características mais importantes da TV digital é a integração de uma capacidade computacional significativa no dispositivo receptor, permitindo o surgimento de uma vasta gama de novos serviços, como a oferta de guias eletrônicos de programas, o controle de acesso e a proteção de conteúdo, a distribuição de jogos eletrônicos, o acesso a serviços de utilidade pública (serviços bancários, serviços de saúde, serviços educacionais, serviços de governo etc.) e, em especial, os programas não-lineares (programa de TV composto não apenas pelo áudio principal e vídeo principal, mas também por outros dados transmitidos em conjunto. Por isso TV digital é um caso particular de sistemas hipermídia.
2) Qual é a situação atual do Ginga? Ele está parado, existe alguma ação, ou projeto por parte do governo e da indústria de inseri-lo no mercado?
FG- Em 2009 a linguagem NCL¹ e o middleware Ginga-NCL foram escolhidos como Recomendação UIT-T (Setor de Normatização das Telecomunicações da União Internacional de Telecomunicações) para serviços IPTV². Era a primeira vez que o país tinha um padrão mundial na área das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação). Era o reconhecimento internacional que tínhamos a melhor proposta de middleware declarativo. NCL e Ginga-NCL são os únicos padrões SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital) obrigatórios para todos os tipos de terminais (fixos, móveis e portáteis) e são os únicos padrões multiplataforma, para TV terrestre, satélite e IPTV.
O Ginga-NCL está pronto e implementado por diversos fabricantes desde 2007. O que ficou parado foi a parte Java, por problemas de royalties, inexistentes no Ginga-NCL.Desde o início de 2010, entretanto, a parte Java também estava pronta, como proposta pela Oracle (na época SUN).Vários produtos hoje do mercado tem o Ginga embarcado, no Brasil e no exterior.
O que falta são mais aplicações no ar, por consequência de um modelo de negócio ainda não muito entendido quanto à exploração da interatividade.
3)Por que o Ginga ainda não chegou à população de fato? A incorporação deste middleware pode encarecer os aparelhos de TV?
FG- Apenas com o Ginga-NCL encareceria pouquíssimo, com a parte Java encarece bem mais, mas mesmo assim, o custo de se ter o Ginga é muito baixo. Acontece que na área de eletrônica de consumo a escala é muito grande e qualquer “parafuso” a mais, quando multiplicado por milhões de aparelhos, representa um investimento alto. Então se economiza em tudo.
4)O que foi a campanha “TV Digital sem Ginga Não!” e qual a sua repercussão?
FG- O que tem ficado cada vez mais óbvio é que ter apenas uma imagem bonitinha não basta. Não é aí que está a revolução dessa nova tecnologia. Aliás, o mote da campanha era: “bonitinha que só, mas sem Ginga dá dó”.
Além de tudo, não podemos esquecer que um dos grandes motivos para a definição do SBTVD foi a inclusão social. Inclusão social não existe sem interatividade.
5)O Ginga já está sendo utilizado por outros países, como por exemplo, a Argentina. Por que isso está acontecendo primeiro lá fora do que aqui?
FG- Uma das razões foi por eles terem escolhido manter só o Ginga-NCL, por na época ser a solução já um sucesso (o Java ainda estava sem definição), permitir a construção de terminais de mais baixo custo, por possibilitar que esses países também se apropriassem do conhecimento e da tecnologia, e pelo fato de Ginga-NCL ser o único padrão para todos os tipos de TVs terrestres e também para serviços IPTV.
Hoje são vários os países que já adotaram o Ginga. Na América Latina temos: Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai, Costa Rica.
Uma das razões pelo grande avanço da Argentina foi o plano de popularização do set-top box³ com interatividade proporcionado pelo governo, com grande apoio das emissoras públicas no desenvolvimento de aplicações NCL-Lua.
6)O Ginga já está no mercado brasileiro?
FG- Ele já está no mercado: TVs da LG, Sony, Semp-Toshiba, Phillips; celulares da Nokia, set-top de vários pequenos fabricantes já são vendidos com o Ginga. Os radiodifusores, embora ainda timidamente, já têm várias aplicações no ar.
7) Alguma política por parte do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) , ou Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) está sendo feita para introduzir o Ginga no mercado brasileiro?
FG- O apoio do governo ao Ginga foi total. Não podemos reclamar. Podia ter sido feito mais? Sempre pode. Os financiamentos têm sido penosos para as universidades e institutos de pesquisa, algumas vezes mal direcionados, mas é natural, até porque o país também está aprendendo nesta parte de inovação tecnológica.
Quanto ao financiamento das empresas e política industrial, aí é outra coisa e não tenho dados para opinar.
8) O mercado de radiodifusão brasileiro quer o Ginga, ou ainda existe alguma resistência?
FG- O radiodifusor é muito complexo. Eles dizem que querem o Ginga, desde o princípio, mas colocaram muitas barreiras sim, principalmente para as inovações brasileiras, que primeiramente tiveram de ganhar a credibilidade internacional, antes de ganhar credibilidade aqui. Infelizmente muitos ainda não acreditam que o Brasil pode desenvolver tecnologia de ponta. O Ginga é só um exemplo bem sucedido, por uma série de fatores não apenas técnicos. Mas tem muita coisa boa desenvolvida nas Universidades e que estão perdidas por aí. Se acreditassem mais nas universidades, não só no discurso, muito mais Gingas surgiriam.
Hoje eu diria que não existe uma resistência à interatividade, mas sim um modelo de negócio mais claro e bem definido.
9) Você acha que com a possibilidade das teles entrarem no mercado de TV por assinatura o Ginga pode ganhar apoio das empresas e se tornar um diferencial competitivo?
FG- Acredito e aposto muito nisto. NCL e Ginga-NCL, como disse, são padrões mundiais UIT-T para serviços IPTV. Acredito também que o sonho da inclusão social de fato, não apenas no acesso a informação, mas também na geração de conteúdo, vá ter um impulso muito grande com a convergência de serviços IPTV com a TV aberta. Vai haver resistência? Vai. Pois, infelizmente, muitos ainda entendem a convergência como substituição, erradamente. Convergência é integração, complementação.
10) Você acha que a sociedade precisa conhecer melhor o Ginga? Existe algum movimento civil para pressionar o governo a utilizá-lo?
FG- A sociedade vai conhecendo a interatividade aos poucos. Mas uma das maiores vantagens de NCL é o fato de que o desenvolvimento de conteúdo interativo pode ser feito de forma muito fácil, sem a exigência de especialistas. Ou seja, NCL é uma tecnologia ao alcance de todos. Meu sonho é ver muito em breve TVs Comunitárias, Pontos de Cultura, Telecentros fazendo produções em NCL. Aguardem o Programa Ginga Brasil com esse enfoque.
¹ NCL: é uma linguagem declarativa para especificação de documentos hipermídia baseada no modelo conceitual NCM - Nested Context Model (modelo de contextos alinhados).
² IPTV: Método de transmissão de sinais televisivos através do protocolo IP (Protocolo de Internet)
³ Set-top box : Conversor externo para TV Digital
Fonte: Instituto Telecom.
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