Cinco dias depois de empossada e devidamente enfaixada, a presidente Dilma Rousseff – pior intermédio do ministro das Comunicações – solta um balão de ensaio que tem o potencial de um tsunami político associado a uma revolução midiática com profundas implicações nos modos, costumes e decoro parlamentar.
Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada na sexta-feira (7/1), o ministro Paulo Bernardo com o seu estilo sóbrio e preciso defendeu de forma inequívoca o fim das concessões de rádio e TV a parlamentares.
Só isso? Pois "isso" é simplesmente extraordinário. "Isso" equivale o fim do coronelismo eletrônico. "Isso" é, há décadas, o sonho da esquerda, dos liberais, dos secularistas, dos cientistas políticos, educadores, líderes comunitários, ONGs e dos congressistas decentes, comprometidos com o interesse público e que não compactuam com ilicitudes. "Isso" é uma colossal aberração que legaliza o conflito de interesses e permite que congressistas controlem as concessões de radiodifusão e, ao mesmo tempo, sejam seus beneficiários.
Apetite necessário
Paulo Bernardo admitiu ser mais fácil o Congresso iniciar um processo da impeachment do presidente da República do que limitar o aberrante privilégio oferecido aos congressistas. Ele sabe que o mandato no Congresso é um dos melhores negócios do país. Além dos ganhos diretos e indiretos (agora espetacularmente ampliados), os membros do egrégio Legislativo federal podem participar da mamata das concessões e assim se reeleger indefinidamente graças ao poder das rádios e repetidoras de TV dentro dos seus currais eleitorais.
Quem iniciou a prática foi um antecessor de Paulo Bernardo, Antonio Carlos Magalhães, o Toninho Malvadeza, que generosamente distribuiu concessões de radiodifusão aos congressistas para que votassem a extensão do mandato do então presidente José Sarney. A Constituição de 1988 proíbe esta duplicidade, o decoro parlamentar deveria inibi-la, mas como sói acontecer nestas plagas a prática universalizou-se.
Na legislatura que se encerra dentro de dias, calcula-se que metade dos parlamentares é constituída de concessionários de rádio e TV (muitos de forma indireta através de "laranjas" e parentes com sobrenomes diferentes). E o mesmo José Sarney que inventou o benefício há 20 anos agora é o seu mais visível beneficiário: sua família controla a mídia eletrônica maranhense o que torna o seu jornal imbatível, apesar da péssima qualidade.
Aceitará Sarney o fim do privilégio? Ele que teve a coragem de contraditar Dilma Rousseff durante a cerimônia de posse designando-a como presidente, no lugar de presidenta (como ela se auto-intitulou), terá a mesma fibra para confrontar um governo que ajudou a eleger e prometeu apoiar? O vice-presidente Michel Temer, aparentemente, não é concessionário de rádio e TV, mas terá apetite para enfrentar os caciques do PMDB já irritados com a interrupção da distribuição de cargos no segundo escalão e a real possibilidade de corte de verbas para as emendas de parlamentares?
Lixo diário
Paulo Bernardo terá condições de, ao menos, levar adiante o debate público? Ou a entrevista à repórter Elvira Lobato foi apenas uma manobra para refrear os insaciáveis apetites do PMDB?
O novo ministro só erra quando se queixa que "o Brasil tem tantos especialistas em comunicação quanto técnicos de futebol." Baixou nele o "espírito Lula" com suas perigosas simplificações e metáforas esportivas. Quem pede mudanças urgentes na legislação do audiovisual não são especialistas em comunicação – são eleitores, ouvintes e telespectadores revoltados com o lixo que os coronéis eletrônicos lhes impingem diariamente há décadas.
Fonte: Observatório da Imprensa (Alberto Dines).
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