Quando se propõe no Brasil que o funcionamento dos meios de comunicação eletrônicos e impressos seja objeto de regulação e fiscalização por parte do Estado, sempre surgem setores da sociedade – com apoio de entidades patronais – para atacar a ideia a partir do argumento que tais medidas ocorrem apenas em regimes antidemocráticos. No entanto, o Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias vem provando o contrário. Nesta terça-feira (9), foi a vez de Portugal – considerado democrático - mostrar que é possível fazer regulação da radiodifusão, incluindo seus conteúdos, e da imprensa com base na constitucionalidade.
Tal regulação é feita por meio da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), criada há quase cinco anos. Ela exerce a regulação dos meios audiovisuais e impressos. Já o mercado telecomunicação é regulado pela Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom). Um modelo diferente do Brasil, onde existe apenas um órgão regulador independente, a Anatel, e a maioria dos serviços de radiodifusão fica a cargo do Congresso e do governo Federal.
A ERC atua na regulação do mercado e não na criação de novas leis (regulamentação). Um de seus principais pressupostos é de que o mercado é incapaz de se regular sozinho. “A ideia de liberdade absoluta é antítese da própria ideia de liberdade”, disse o presidente da entidade José Alberto de Azeredo Lopes no seminário. No entanto, o órgão também trabalha para que os próprios veículos aprimorem seus regulamentos de conduta. Não são atividades excludentes. Para Azeredo Lopes e vários representantes dos países convidados, a regulação de conteúdos é uma prática comum.
Além da radiodifusão e meios impressos, a Entidade também pode atuar em conteúdos da internet. Porém, isso paticamente não ocorre, segundo o presidente da ERC. Ele fez questão de enfatizar que blogues estão fora de qualquer regulação, pois, na maioria das vezes, têm pressupostos diferentes de uma atividade jornalística. “Não somos todos jornalistas”, frisou.
Receber os pedidos e fazer cumprir o direito de resposta, que no Brasil ficou prejudicado depois da queda da Lei de Imprensa, é uma das atribuições da Entidade. Também são competências da ERC zelar pela garantia do pluralismo nos meios, proteger os direitos de personalidade (direito à honra e à privacidade) e proteger as crianças e adolescentes. Muitos dos casos são avaliados a partir de reclamações dos cidadãos portugueses, que dá a ERC uma função de ouvidoria.
No entanto, a atuação da ERC não se restringe à regulação de conteúdos. À ela também cabe o papel de cuidar da organização do sistema de licenças dos veículos concessionários. Em Portugal, é essa entidade autônoma que tem a exclusividade de conceder e renovar as concessões de rádio e TV. No Brasil, esse processo passa pelo Congresso e pelo Executivo. Além disso, o órgão regulador português pode intervir em operações comerciais entre empresas do setor, quando se verificar que isso pode gerar concentração no mercado.
Uma das maneiras da regulação feita em Portugal verificar a pluralidade dos conteúdos veiculados é fazendo um monitoramento da mídia. Por meio dele foi possível observar, por exemplo, que os telejornais portugueses têm deixado de tratar muitos temas. “Economia, política, futebol e sociedade ocupam grande maioria do tempo”, relata Azeredo Lopes.
Apesar de toda essa regulação da Entidade ser feita com base na legislação portuguesa, não necessariamente ela é bem aceita pelos órgãos regulados. O presidente da ERC diz que muitos casos vão parar na Justiça. Uma alternativa encontrada pela Entidade para fazer valer sua autoridade é a aplicação de sanções não econômicas (a emissora fica obrigada a veicular uma retratação na sua programação, por exemplo). No entanto, quando isso não funciona são aplicadas multas.
A ERC não cria leis, mas tem o poder de regular por diretivas. Em julho de 2009, por exemplo, o Conselho publicou a fim de criar condições isonômicas na participação de candidatos a eleições em debates, entrevistas, comentários e outros espaços de opinião nos órgãos de comunicação social.
Um fator que ajuda a entender a legitimidade que o órgão tem perante a sociedade portuguesa é a sua composição. São cinco membros do Conselho Regulador. Quatro deles são escolhidos pelo Congresso (precisam de dois terços de votos) e o quinto é escolhido pelos primeiros eleitos. Depois disso, todos passam por uma sabatina pública para exporem suas posições. Nenhum deles pode ser parlamentar – ou ter sido a pouco tempo - e não pode ter ligação com nenhuma empresa da área.
Quando saem do Conselho Regulador da ERC, seus membros também precisam ficar um tempo sem ocupar cargos em empresas de radiodifusão e imprensa. Os escolhidos para o Conselho não têm vinculação partidária ou representativa de alguma categoria. O presidente, Azeredo Lopes, por exemplo, é um jurista.
Pressupostos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social:
- A liberdade de imprensa não é absoluta
- A regulação tem como destinatários os veículos e não jornalistas
- A regulação deve caber a um organismo público independente (são 4 nomeados pelo Congresso com aprovação de dois terços e sabatinados após escolha. Esses escolhem um quinto membro), com mais de uma fonte de financiamento
- A regulação externa deve coexistir com a autorregulação
- O regulador está sujeito aos princípios da legalidade. Qualquer decisão pode ser questionada pela Justiça
- A intervenção sobre conteúdos é sempre a posteriori e nunca a priori
- O regulador deve responder pelo exercício de sua atividade
Fonte: Observatório do Direito à Comunicação (Jacson Segundo).
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